quarta-feira, 2 de abril de 2025

CMTE MAURÍCIO MATHIAS - UMA TRAJETÓRIA NA AVIAÇÃO

 


Como muitos outros tripulantes, meu ingresso na aviação ocorreu quando tinha sete anos de idade. Estava brincando no quintal da casa da minha avó no nascer do sol e então um avião da Força Aérea Brasileira fez um rasante em cima da casa. Levei um enorme susto, principalmente em razão do alto barulho que ele fez, passou muito baixo. Fiquei admirando-o sumir numa baixada longa de plantação de milho de alguns quilômetros. Ele deu um rasante maior ainda de forma a abaixar todo o milharal.

Foi paixão imediata. Nesse momento descobri o que eu queria fazer na minha vida. E isso nunca saiu da minha cabeça. Passei a desenhar aviões e foguetes na minha infância toda. Meus pais sempre influenciaram para eu estudar e seguir atrás do meu sonho de aviador. Tive que começar a trabalhar aos quatorze anos quando meu pai faleceu no Rio de Janeiro. Éramos pobres, mas em compensação tive uma ótima educação familiar. Trabalhava limpando escritório e servindo café. Com isso os planos foram protelados, mas nunca esqueci do meu sonho. Nunca deixei de estudar. Me formei em Administração de Empresas, depois fiz pós-graduação em Economia Empresarial e passei a dar aula aos vinte e poucos anos na Faculdade. 

Continuava lendo e estudando sobre aviação. Não podia fazer o curso de piloto porque era muito caro. Com o passar do tempo fui crescendo profissionalmente e juntando dinheiro. Chegou um momento que resolvi vender tudo que eu tinha conquistado no decorrer dos anos. Vendi lambreta, bicicleta, carro, apartamento, papagaio, periquito e tudo que mais estivesse na minha frente. Com isso fui estudar nos Estados Unidos durante um ano e realizei vários cursos. Sendo Piloto Privado, Piloto Comercial, Multi-Motor, EFR, Engenheiro de Voo, fiz um curso na NASA de Câmara de Descompressão, entre outros. Cheguei a voar numa aeronave de atendimento médico. 

A minha primeira lição que aprendi foi muito importante e procuro compartilhar com todos meus alunos. Eu estava nos EUA durante meu treinamento e já havia realizado diversos voos com meu instrutor. Um certo dia o instrutor parou o avião na pista, desceu e disse para eu decolar para meu primeiro voo sozinho. Nessa hora minha perna chegou a tremer. E ainda me instruiu para fazer cinco decolagens e pousos em sequência. Ele percebeu que eu havia ficado pálido e me disse "Presta atenção no que vou lhe falar uma coisa que você não pode esquecer "Faça tudo conforme você aprendeu. Tudo certinho! Não inventa nada! Porque se você inventar qualquer coisa e der errado, para nós não terá problema nenhum. O seguro pagará uma nova aeronave. E envia o teu corpo todo quebrado  de volta para o Brasil numa caixinha de madeira!" E dessa forma nosso trabalho não vai mudar em nada e quem vai se ferrar é você, entendeu ?"

Nesse momento foi descarregado uma carga de responsabilidade imensa nas minhas costas porque eu iria realizar um voo sozinho pela primeira vez. E isso foi a primeira e maior lição na minha vida. Na aviação não se inventa nada. Sempre se segue os procedimentos. É nesse momento que se mostra se a pessoa tem condições de ser um piloto. O comandante de um avião tem a responsabilidade muito além dos bens materiais. Ele é o responsável pelo transporte de dezenas ou de centenas de pessoas. A rigor um piloto profissional não vê diferença entre transportar uma ou trezentas pessoas. Eu no comando do avião nem lembrava de quantas estavam lá atrás. Sempre estava preocupado em realizar o melhor trabalho para garantir a segurança. E falando nisso, a segurança está em primeiro lugar sempre. Importante também é manter o respeito pelos passageiros e colegas de trabalho.

Voltando para o Brasil fui voar Bandeirante no garimpo durante quatro anos na Selva Amazônica, transportando passageiros e carga. E foi ali que passei por uma das situações mais inusitadas na vida. Estavam os passageiros embarcados no último voo para irmos para Santarém, e era época de feriadão. Depois só haveria outro voo dois dias depois. E era aquele tipo de recurso no meio do nada, pista de barro e na dentro da floresta. O voo estava lotado e de repente alguém me esbarou, olhei para trás e vi um homem com um enorme revólver e já foi dizendo alto "Comandante, me falaram ali fora que eu não vou poder voar com o sr. para Santarém, é verdade isso?" Com aquele trabuco enfiado na minha cara lhe respondi "Que isso rapaz? Quem que lhe disse isso? Claro que você vai comigo! É claro que você vai e se precisar vai até sentado aqui no meu lugar!" Nisso chega o despachante comunicando que o avião estava lotado.  E para eliminar qualquer dúvida respondi "O avião estava lotado! Para esse senhor aqui não está !" E ele voou conosco sentado no chão no fundo do avião. 

Minha intenção era voar numa empresa grande e procurei a TAM. Fui pessoalmente na base em Belém e entreguei meu currículo ao Sr. Maia que achou muito bom minha experiência no exterior, com o avião Bandeirantes e por falar outro idioma. Entrei na Brasil Central em Belém. Conheci o Comandante Rolim quando ele estava trazendo um avião dos EUA e fui escalado pelo Comandante Maia para fazer o Plano de Voo para ele seguir viagem para São Paulo. Fiz muito preocupado porque não era um trabalho cotidiano, porque na aviação comercial nos chega pronto e no garimpo a gente voava sem nada. E o Comandante Rolim pegou o Plano de Voo e foi-se voando para São Paulo. Chegando em São Paulo mandou um agradecimento e informou que havia ido parar no Mato Grosso. Quando fui informado pelo Maia pensei agora danou-se, estou desempregado. Mas não passava de uma brincadeira e rimos muito. 

Frequentemente na década de noventa o Comandante Rolim me chamava para ir trabalhar na administração, e eu lhe respondia "Comandante eu vim aqui para voar, eu deixei minha profissão de escritório quando entrei na TAM", e minha intensão realmente era seguir como piloto. Sempre lhe dizia que a pessoa que cumpre só a obrigação ele ganha muito. Eu compreendo que não podemos pagar para um funcionário cumprir somente isso. O bom funcionário tem que fazer mais, assim demonstra que gosta do seu trabalho. No meu caso, eu amava muito meu trabalho.

Fui convidado a ir trabalhar na VASP na época da sua privatização. Haviam incorporado na sua frota vários aviões modernos como o MD-11 e o A300. Cheguei a ir à VASP para ver como era a empresa, mas minha paixão era continuar na TAM e recusei o convite. Alguns colegas me diziam que eu era doido em recusar a proposta. Tempo depois os colegas que também foram convidados e trocaram de empresa foram demitidos com a crise da VASP e sem condições de voltar, porque foram avisados pela TAM que quem fosse não voltaria mais. 

Trabalhar com o Cmte. Rolim era muito bom. Ele era muito curioso. Ele na verdade sabia que não sabia de muita coisa. Então, estava sempre querendo aprender. Comigo sempre foi muito tranquilo e falávamos uma linguagem muito limpa e boa. Trabalhar com o Rolim era muito fácil, apesar de toda a movimentação que ele se envolvia. Sempre estava envolvido com projetos, problemas e estratégias que o mundo da aviação exigia de um Presidente de uma grande empresa. Sempre foi muito tranquilo e espontâneo, se numa reunião tinha que falar alguns palavrões, ele falava e pronto, independente de quem estivesse presente. As pessoas gostavam de escutá-lo. Aliás, na verdade todos admiravam tanto a personalidade, quanto o profissional. Era um orgulho tê-lo como presidente da empresa. Muitas vezes acompanhei ele nas palestras que realizava em universidades e outros locais Brasil a fora. Isso era extraordinário porque as pessoas, principalmente os jovens tinha uma curiosidade e paixão em assistir ele palestrando. Era muito conhecido, famoso e respeitado. E não era muito comum um CEO ir até o mundo universitário para difundir suas ideias e experiências. 

Eu comentava com ele que as pessoas que tomassem decisões ao seu redor precisavam ser de muita confiança e experiência. Explicava que os comandantes espalhados por diversos lugares do Brasil tomavam decisões no seu dia a dia e que para isso precisavam além de serem ótimos profissionais, também precisavam saber os conceitos da organização. A TAM precisava ter uma cultura organizacional padrão. Muitas vezes lhe disse que a empresa havia crescido rapidamente, mas muitas pessoas não haviam crescido profissionalmente. Muitas não tinham formação acadêmica. Explicava que a gestão de forma geral, inclusive dos gerentes precisavam ter uma formação acadêmica de gerenciamento e de auditoria. Foi quando eu sugeri que fosse criado um curso de formação de comandantes. O curso foi estruturado pelo Comandante Francisco Perez. 

Depois fui convocado pelo Comandante para uma tarefa de realizar um estudo profundo de diagnóstico na companhia. Entreguei um documento com mais de trinta páginas. Tão logo realizei uma reunião e explanei as principais conclusões, o Rolim convocou uma reunião com os principais gestores. Esse foi o primeiro passo para a implantação do CRM e de uma avaliação 360 graus que a TAM realizou internamente. 

Sua maior capacidade profissional demonstrou principalmente nos momentos mais difíceis da empresa. Sua habilidade para lidar e enfrentar essas situações e problemas era algo fantástica. Sem dúvida nenhuma gostava muito de ouvir as pessoas que tinham a intenção de ajudá-lo. Frequentemente em presenciei sua curiosidade em querer aprender a saber como as coisas funcionavam. A sua principal exigência era que os funcionários adotassem os sete mandamentos da empresa.

 

Os Sete Mandamentos da TAM

1 -  Nada substitui o lucro;

2 - Em busca do ótimo não se faz o bom;

3 - Mais importante que o cliente é a segurança;

4 - A maneira mais fácil de se ganhar dinheiro e parar de perder;

5 - Pense muito antes de agir;

6 - A humildade é fundamentar;

7- Quem não tem inteligência para criar tem que ter coragem para copiar.

Em certa ocasião o Rolim me falou que morria de inveja de todos nós comandantes. O que queria mesmo era estar no comando de um avião. A sua maior alegria realmente era estar ao lado dos passageiros. Gostava de estar no pé da escada da aeronave cumprimentando os passageiros. Para ele aquilo era a maior alegria. Ele voou várias vezes comigo. Ficava pouco tempo na cabine, mas sempre curioso e querendo saber de novidades e gostava muito de conversar. Gostava muito de distribuir a cada passageiro a "Carta do Comandante". Sabíamos que ele tinha muita vontade de pilotar o Fokker 100, mas não tinha habilitação para a família de Fokker. Mas não ficava conosco muito tempo. Ele na verdade queria é estar com os passageiros. Voar com o Rolim era uma emoção única. Ele distribuía as balas, jornais, revistas, servia cafezinho, passava nas fileiras de assentos e conversava com todos os passageiros. Muitas vezes, sua intenção era apenas realizar a recepção aos passageiros na porta do avião, mas ele mudava de planos e decolava conosco. E quando íamos realizar os procedimentos de decolagem, entrava de surpresa no cockpit para ficar sentado. 

Ainda na época da implantação dos GPS fui convidado pelo Comandante a realizar a tradução dos manuais do inglês para o português. Isso porque o pessoal pegava os manuais originais e tinha uma certa dificuldade para interpretá-los. Terminado a tradução, foi distribuído uma cópia para todas as aeronaves. E olha só, alguns anos mais tarde já voando no Fokker 100, tive que realizar uma prova de inglês com um profissional externo. Minha surpresa foi que reprovado e enviou para o Comandante Guilherme que era meu diretor. Me apresentou o resultado da avaliação e perguntou o que havia acontecido. Simplesmente respondi que também queria entender. Então, fomos lá conversar com o responsável e o Cmte. Guilherme ainda lhe falou: "O Mathias é o que mais sabe inglês aqui na TAM, morou, estudou e se formou nos EUA e foi quem traduziu os manuais técnicos. E como que ele foi reprovado na sua prova de conversação?"  Como solução foi feita uma nova prova e fui aprovado. 

Inúmeras vezes estava com o Comandante Rolim, e o Marcos Amaro telefonava para o pai. E ele atendia e conversava com o filho, que na época devia ter uns oito anos. Conheci também o Seu João. Era um tempo maravilhoso quando trabalhei na TAM. Muitas vezes levávamos dois anos para marcar um churrasco.

Houve diversas situações diferentes voando na TAM, vou contar uma delas. Certa vez, já estava na cabeceira para iniciar a decolagem, com autorização da torre e nisso a aeromoça chamou a cabine pelo interfone. Observo que existe uma norma na aviação que estabelece que nessa ocasião só deve ser contato numa situação de extrema gravidade. Como era um tripulante muito responsável, não tive dúvidas e atendi o interfone foi quando ela me disse "Comandante pelo amor de Deus não decola. Temos um passageiro pendurado aqui na porta e diz que vai se atirar de dentro do avião!". Nisso já comuniquei a torre que estávamos abortando a decolagem. Voltamos ao pátio e fui ver o que estava acontecendo, havia três passageiros segurando o cidadão para não abrir a porta. Ele me olhou e disse "quero agradecer muito, já evolui muito, dessa vez cheguei na cabeceira, as outras vezes não consegui passar da sala de embarque. Tenho o maior pânico e quando escutei o senhor dizendo que iríamos decolar, entrei em desespero. Desembarcamos o passageiro e decolamos. 

A TAM permitiu que eu construísse a minha carreira e simultaneamente realizei meu sonho. Voei por onze anos. Iniciei no Bandeirantes e depois fui para o Caravan, Fokker 27, Fokker 50, Fokker 100 e por fim o Airbus.  Saí da TAM porque me aposentei, ainda era do primeiro plano Aeros. Atualmente sou palestrante de Marketing Pessoal, com o título: "O que a aviação me ensinou!" e a outra é "Aviação civil o que eu aprendi!" Foi um prazer muito grande ter trabalhado com o Comandante Rolim Amaro. Não tenho nada a reclamar do período feliz que estive na TAM. Pelo contrário construí minha família e tive a possibilidade de formar meus dois filhos, o Maurício está na área de Tecnologia da Informação e a Jaqueline no Jornalismo.