domingo, 4 de maio de 2025

Marta Bognar e Um Pouco de TAM


Falar da TAM e do Comandante Rolim é uma emoção muito grande. Conheci de vista o Comandante e sempre tive uma admiração enorme por ele. Acredito que precisamos muito ter mais pessoas com a  energia, competência, amor pela aviação, empreendedorismo que ele tinha. A sua interação com tudo a sua volta era excepcional. A paixão de receber os passageiros na porta do avião, a sua coragem de perseguir seu sonho. A forma que construiu a TAM e a transformou na maior empresa brasileira. O carinho que tinha de pôr tudo a sua volta. Sempre tive maior proximidade com seu irmão João Amaro, volte e meia a gente conversa e algumas vezes me dizia "Martinha vou ir pescar!"


Sempre admirei a postura da Família Rolim com relação a aviação e a TAM. Sempre acreditei que havia muito do Rolim o olhar do dono, o olhar de quem quer ver a coisa  bem-feita, de quem não tem preguiça de trabalhar, que não tem medo de enfrentar as dificuldades e adversidades. Era uma pessoa que estava sempre junto e presente. Tenho a imagem que ele era um patrão muito próximo dos funcionários, para sentir e compreender de perto os problemas e corrigir falhas em benefício da segurança e dos passageiros. Que é a razão de uma empresa aérea.

Tenho impressão de que a empresa muitas vezes sofre injustiça por parte da mídia.  Respeito as pessoas que passaram pelo que passaram. Mas percebo que quando ocorre um acidente com uma empresa aérea, existem canais que lembram da TAM. E sei que o João Amaro sofre com isso, porque ninguém acorda e decidi que seu dia vai dar tudo errado. Fiquei realizada quando soube da abertura do Museu Asas de Um Sonho na cidade de Itu, que foi construído pelo filho do Comandante, Marcos Amaro. Era outra enorme tristeza do Seu João e de todos nós apaixonados e entusiastas pela aviação.


Sempre amei voar de TAM e sempre tive preferência por ela por entender que era a melhor empresa para viajar, seja nos voos domésticos ou internacionais. Tenho muito carinho pela história da empresa. A atenção que recebíamos da tripulação, o serviço impecável. Apesar de ter voado Vasp e minha irmã voou Varig e Avianca, mas a TAM sempre foi a menina dos meus olhos. Voar TAM era simplesmente diferente. É difícil explicar. 

Começava com o encanto da sala de embarque no Congonhas, com aqueles músicos tocando ao vivo. A inigualável simpatia da tripulação. O cheirinho novo dos aviões. Era um encanto. E saber que o Comandante Rolim teve uma origem humilde e com muito trabalho. Iniciou na aviação limpando aviões, dormindo no hangar e muitas vezes seu almoço e jantar era os lanches que sobravam dos aviões. O Rolim representa o sonho de povo o brasileiro. De vencer na vida e lançou o slogan "Orgulho de ser brasileira!" O comandante derrubou barreiras dia a dia para erguer.

A minha atividade de wingwalking é semelhante a aviação comercial. É um trabalho e um show em equipe, tem que existir respeito pelo piloto, pela equipe, pelo equipamento, pelas normas. Tem que  prestar atenção no espaço aéreo que você está utilizando, obedecer às regras, não inventar nada que não tenha sido planejado, na meteorologia. 

Tudo isso transforma um voo seguro. Não adianta ter um avião bonito e ele não estar com um piloto que não sabe voar direito. Ou ter o piloto e o avião não estar com a manutenção adequada. E nada adianta ter tudo isso e você não estar preparada para o voo. E era isso que eu sentia quando voava com a TAM, segurança e satisfação a bordo. 

Da mesma forma para um passageiro que nunca voou, tudo é emocionante, desde sua chegada no aeroporto, o embarque, ficar admirando ao vivo como é um avião por dentro, procurar sua poltrona. Escutar a comunicação da tripulação. Colocar o cinto que é diferente. Sentir que o avião está começando a se movimentar. Ouvir os barulhos naturais de um avião, mas para ele são totalmente novos. Sentir a decolagem finalmente, que é uma mix de explosão de emoções no primeiro voo. 

Sentir seu corpo levemente ficar inclinado para trás e olhar pela janela o mundo ir diminuindo. Voar é sem dúvida alguma ver o mundo de outra forma. E o Comandante Rolim soube muito bem trabalhar tudo isso. 

Lembro da cordialidade da recepção das comissárias, a entrega das balas, das revistas e jornais, a televisão que fica acima das poltronas. Acredito que isso tudo também era uma forma de envolver o passageiro e tranquilizá-lo para o voo. Digo isso porque fui comissária nova com 18  anos  pela VASP e presenciei um pouco de tudo a bordo.

O autor do blog, meu amigo Jones, pediu para contar alguns casos da época de comissária, posso dizer que em todo voo, sempre acontecia algo inusitado, engraçado, pitoresco porque todo voo é  formado por um grupo bem heterogêneo de pessoas e o avião é lugar ideal para acontecer coisas estranhas. Num trecho entre Belém a São Paulo,  um senhor se sentou logo na segunda fileira corredor  e acomodou seus pertences no gavetão acima da poltrona. 

Antes da decolagem eu me sentei no banco dianteiro de comissária, que neste avião fica de costas para a cabine de comando, então obviamente eu tinha visão de todo o corredor do avião. Logo após a decolagem eu vi os passageiros  que estavam sentadas no corredor colorarem a mão na cabeça...uma atrás da outra, como se fosse combinado  e em seguida muitas tocavam a chamada de comissário. Avião subindo.  Não tinha  ideia do que estava acontecendo. Mesmo com dificuldade pela inclinação, sai no corredor para atender o que parecia uma emergência.

Bom, aquele senhorzinho ao acomodar os pertences dentro do gavetão, colocou a boca da sacola  virada para baixo e as garrafas não estavam bem fechadas. Com a decolagem, o líquido vazou da garrafa para o gavetão  e do gavetão inundado escorreu para o friso que dá sustentação a todos os gavetões . O líquido percorria o friso sem dar para ver e pingava na emenda  de um gavetão para outro feito goteira. Apenas em cima da cabeça de todos os passageiros que estavam nas poltronas do corredor. 

A goteira acabou com o penteado de uma senhora, pingou na cabeça do outro que era  careca. Do outro que tinha cabelo cacheado. Ao sentir algo cair na cabeça as pessoas se assustavam com o líquido, a cor, e o cheiro... ahhhh o cheiro... de ervas exóticas !!!!! Risos. Dominou o ambiente e ficou durante todas as horas do voo. Hoje dou risada ao lembrar da cena , da reação dos passageiros e minha aflição como profissional recém-formada e com tantas solicitações ao mesmo tempo.

Em outro ocasião uma colega comissária tentou ajudar uma criança para subir a escada do avião, carregou-a no colo e ao chegar no topo da escada, ela pediu para colocá-lo no chão, foi então que percebeu que uma anã. Risos. Outra vez uma colega ao carregar uma bandeja quadrada  no corredor, sem querer enroscou no cabelo da passageira, que uma peruca  que ficou pendurada no canto da bandeja por alguns metros. Foi horrível para a passageira, mas eu tive dificuldades em conter a crise de riso.

A ideia da atividade de wingwalking no Brasil foi de um amigo querido chamado João Carlos Stocco. Depois por motivos particulares o Stocco se afastou da acrobacia aérea no início da década de 90 e me doou o sonho dele. Eu intensifiquei os contatos com equipes no exterior e fui adotada por um wingwalker americano que me apresentou para Margareth Stivers que foi minha real instrutora . 


Para treinar nos EUA fiquei na base de Los Angeles fazendo voos comerciais para a Asia e assim treinava nas folgas onde viajava para a cidade de Chico ( o hangar onde eu ficava era na frente do conhecido Museu dos aviões da Fama). Fiz vários voos de confraternização com equipes no exterior (Escandinávia, Inglaterra e USA). Quando voltei dos EUA comecei a namorar o Pedrinho em 1997 e nos unimos para viabilizar a equipe no Brasil, que ocorreu em janeiro de 2000 quando o showcat ficou disponível no país.

Fico ligada ao avião através de dispositivos de segurança ( tirantes) que são presos na aeronave antes de eu sair do cockpit para me deslocar para a asa superior ou entre as asas (o avião é biplano). Eu pouso e decolo dentro do avião. A transição é feita durante o voo e é por isto que o treinamento com o piloto é tão importante. 

Em cima da asa superior existe um trapézio (suporte) onde posso me prender pela cintura antes do avião começar a fazer acrobacias. A comunicação é sempre por sinais pré-determinados, não há outro sistema de comunicação entre o wingwalker e o piloto. Existem outros itens de segurança como a touca, luvas e os  óculos  para me proteger do vento e vários procedimentos de segurança que são treinados. Por exemplo, em caso de emergência, estou treinada  a descer do suporte do avião em 12 segundos  para pousar dentro do cockpit.

Aguardei um avião no Brasil de 1990 a 2000 após muita luta para viabilizar a atividade e isto explica a ligação sentimental que tenho com o avião. Ele foi praticamente construído para a atividade e quem acompanhou o projeto do avião até o peso e balanceamento foi o famoso engenheiro aeronáutico Fernando de Almeida ( já falecido). O nome adotado foi "showcat" e era   conhecido por “Branco Ventania” pela pintura que ele tinha.  Ele possui um motor radial de 450 hp e desenvolve uma velocidade média de 110 milhas por hora (177 km/h). Possui dispositivo de fumaça que enriquece o show aéreo, valoriza as manobras que envolve muito o público.

 No exterior meu treinamento foi sempre em um biplano chamado stearman fabricado pela Boeing . Tenho os trapézios  e tirantes adaptados para os dois aviões  porque as medidas são diferentes. Voei com diversos pilotos no exterior. No Brasil, o piloto da equipe foi o Pedrinho Mello de 2000 até 2011. Desde 2012, os   pilotos são o Ricardo Beltran Crespo que voou na Esquadrilha da Fumaça e Rogério Nave que também é militar e foi instrutor na AFA durante muitos anos. 

O avião usado para a atividade de wingwalking é sempre um "biplace" ( avião de dois lugares). O piloto fica no banco traseiro e eu no banco dianteiro onde decolo e pouso sentada . A transição é feita durante o voo e esta é a origem do nome da atividade: caminhante de asas. Se eu sair do cockpit e me descolar para cima da asa inferior, eu caminho em cima da longarina e posso ir até a ponta da asa.

Se eu for para cima da asa superior, eu me posiciono no trapézio que  é  um suporte construído especificamente para atividade . Eu me prendo nele antes do  avião  começar a fazer acrobacias como looping e touneaux. O trapézio permite que eu  faça algumas posições com braços e pernas que são movimentos aerodinâmicos durante as manobras do avião. Ele também permite que eu faça posições durante os rasantes para o público. Isto tudo reunido  é considerado  uma coreografia. A coreografia do show é sempre encerrada com a abertura da Bandeira Brasileira. O entrosamento entre wingwalker e piloto é fundamental.

Da mesma forma que o João Amaro tinha um sonho de rever seu Museu reaberto. Também tenho muitos, mas o mais especial particularmente é atravessar o Canal da Mancha que liga a Grã-Bretanha a Franca em cima da asa e trazer para o Brasil o recorde que atualmente está com os ingleses que eles voaram três hora e vinte e três minutos em cima da asa. Mas para isso precisamos de toda uma logística e de um patrocinador.