UM ESTILO CHAMADO ROLIM
“A distância entre um sonho e sua realização chama-se trabalho”
Mais do que em muitos outros países, a aviação comercial brasileira tem sua história marcada por uma sucessão de pioneiros, que surgem nos momentos de maior necessidade para fazê-la avançar até novos patamares. As empresas, nesse quadro, são apenas consequências de suas vidas e trabalhos.
O exemplo mais recente, e talvez o mais brilhante, foi Rolim Amaro, que criou a TAM e em apenas três décadas transformou-a de pequeno táxi -aéreo na segunda maior companhia aérea da América do Sul. Rolim Amaro inovou em termos de personalidade administrativa, mas nenhum quebrou tantos protocolos administrativos ou levou como ele, para o mercado do transporte aéreo, o corpo-a-corpo do comércio varejista, numa bem-sucedida mistura de intuição, visão de mercado e habilidade política.
“O sucesso depende de saber o que se deseja conseguir”
Falar a história da TAM é contar a vida de Rolim, um brasileiro típico, filho de portuguesa e neto de italianos, nascido no interior, em Pereira Barreto, a 652 quilômetros da capital de São Paulo. Aos 18 anos tirou o brevê e jogou para o alto o curso de contabilidade, trocando-o pela aviação. Novamente como tantos pilotos brasileiros, teve de trabalhar duro para poder decolar. Foi motorista de táxi, limpou aviões, frequentou os hangares de aeroclubes do interior, fez muitos amigos no setor e foi piloto de táxi aéreo em São José do Rio Preto. Mas ele buscava níveis de voo mais altos. Pilotou no garimpo, voou na Amazônia e transportou as cargas mais disparatadas, de mulas de carga a índios, de bombas d’água e freiras.
Até chegar ao primeiro grande pulo da sua vida, no início dos anos 60, quando assumiu um pequeno táxi - aéreo para o qual pilotara, o Táxi -Aéreo Marília. Naquela época o centro-oeste brasileiro era uma “terra de fronteira” como hoje é ainda a Amazônia, violenta e desafiante. Mas Rolim soube enfrentar esse desafio, deslocando fazendeiros e agropecuaristas na rota do gado e das grandes plantações. O Táxi - Aéreo cresceu rápido, aumentou a frota e ampliou a clientela no interior paulista, no Mato Grosso do Sul, em Goiás e no norte do Paraná. Entre os novos amigos, Orlando Ometto, o “homem forte” da Copersucar e ele próprio um “self made man”. Nessa fase de expansão, nos anos 60, Ometto soube entender e apoiar seu jovem amigo, e seria instrumental no passo seguinte, quando o táxi - aéreo transformou-se em empresa aérea regular.
E essa amizade continuou por muitos anos. Quando em 1977 o pecuarista Tião Maia teve problemas com o Governo e decidiu mudar-se para a Austrália, vendeu sua parte no controle da TAM para Orlando Ometto, que ficou com 66% do Táxi - Aéreo Marília , que por sua vez detinha 67% da TAM Regional. Mas Rolim foi mantido no comando.
“Ousar sempre que isso leve aos objetivos desejados”
No fim da década de 1960 a aviação comercial brasileira vivia uma crise típica de crescimento. Novos aviões, maiores e mais caros, tinham substituído os velhos Douglas DC-3 que pousavam em qualquer pista e davam lucro mesmo embarcando a metade dos passageiros. A modernização da frota cortou drasticamente a malha de cidades servidas, mas se isso era bom para os táxis - aéreos, representava um retrocesso perigoso no transporte aéreo como um todo. Com a economia brasileira novamente esquentando, o Ministério da Aeronáutica visualizou uma série de medidas que facilitassem o surgimento de novas empresas aéreas aptas a explorar as linhas do interior.
Roberto em pé na reunião da TAM
Surgiu o SITAR – Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional, e Rolim participou ativamente desse movimento. Com dois bimotores Cessna 402 ele inaugurou – e operou experimentalmente – uma ligação regular entre São José dos Campos e o Rio de Janeiro, provando a viabilidade do sistema. E quando chegou a hora de dividir o país em cinco “capitanias hereditárias aéreas”, como se disse na época, a TAM do Comandante Rolim foi uma das escolhidas. E desse modo, finalmente, ela passou a operar linhas regulares. Instalou-se também num hangar no Aeroporto de Congonhas, onde cresceria até chegar ao que é hoje.
“A companhia deve procurar o equipamento mais adequado para os serviços que presta”
Quem trabalhou na TAM naquele período sabe como foi difícil o crescimento. Num acordo ditado pelas novas regras do jogo, Rolim herdou os aviões “Bandeirante” da Vasp, que colocou um homem de sua confiança na diretoria da nova empresa. O Bandeirante deu certo: robusto, econômico de operar e de manutenção fácil ele levou a aviação de volta a uma série de cidades que tinham sido abandonadas pelas grandes empresas aéreas. Mas o relacionamento com a poderosa e complicada estatal Vasp nunca marchou bem lubrificado, gerando uma série de problemas jurídicos que persistiram por muitos anos.
Um dos últimos eventos que o Roberto foi. Helibras
Nada disso desanimou Rolim, que unindo dinamismo à criatividade implantou a imagem da nova empresa nas cidades do interior que tão bem conhecia. As comunicações eram difíceis, e nem sempre as autoridades locais entendiam que seu mercado só justificava uma aeronave pequena como o Bandeirante. Foi preciso recorrer a métodos pouco convencionais e para criar uma nova imagem para o antigo táxi -aéreo Rolim ajudou o Cte. Portugal Motta a criar uma esquadrilha de demonstrações aéreas, os “Dragões do Ar”, que passou a se apresentar em festas aéreas nos aeroportos interioranos levando a mensagem comercial da TAM.
Não tinham muitas mulheres na aviação
Linhas foram criadas e extintas, frequências aumentadas e reduzidas e a carga aérea introduzida num serviço que contava, ainda, com subsídios governamentais. Bastaram dez anos para fazer da TAM – Transportes Aéreos Regionais, a maior das cinco novas companhias aéreas.
“O mais moderno avião depende de quem o tripula e mantém”
Rolim sabia que só poderia crescer com a oferta de mais assentos e maior conforto, o que implicava em novos obstáculos: mudar as regras do jogo e dinheiro. Atuando em Brasília e Amsterdam ele conseguiu convencer o então do Ministro da Aeronáutica, brigadeiro Délio Jardim de Mattos, e ganhar a confiança da indústria holandesa Fokker para negociar os primeiros bimotores F.27, de 40 lugares. Foi um salto arriscado – típico do ousado Rolim – mas deu certo e logo as outras regionais brasileiras seguiram seu exemplo. Cidades do interior passavam a pedir o Fokker e a garantir um número mínimo de passageiros capaz de justificar seu uso. E a fábrica holandesa viu, satisfeita, seus aviões penetrarem num mercado até então dominado pelos jatos Boeing. Esta foi a briga vencida por Rolim nos anos 70, quando ficou claro que seus métodos de contato corpo-a-corpo conseguiam abrir caminho onde o gerenciamento convencional das outras regionais esbarrava no tradicional imobilismo das regras estabelecidas.
“O avião é apenas uma ferramenta de trabalho”
Se o Fokker F.27 representou um salto qualitativo para a aviação regional brasileira, a chegada dos jatos foi outro ainda maior. Rolim sabia, e acenava às autoridades com esse argumento, que a única maneira das regionais continuarem crescendo depois do fim dos subsídios seria atuarem como alimentadoras (feeder lines) para os serviços das grandes empresas comerciais. E que, para isso, ele precisaria de aeronaves tão grandes, rápidas e confortáveis quanto os jatos que as grandes usavam. Seus argumentos lógicos venceram as barreiras e numa operação que sacudiu todo o mercado brasileiro Rolim negociou com a Fokker os primeiros F.100, de 104 assentos.
Lançamento do Hangar da Embraer em Sorocaba feito pela Maia Arquitetura
Numa bem orquestrada campanha promocional ele vendeu a imagem desse avião como o “jato de Congonhas”, silencioso, confortável e veloz. Na década de 1980 o número de aviões F.100 cresceu regularmente e, com eles, as linhas, frequências e rotas. Rolim foi forçado a investir em novas instalações no Aeroporto de Congonhas, teve de reorganizar TAM e ampliar a infraestrutura de apoio, em São Paulo e nas suas bases. O staff cresceu, a folha de pagamentos aumentou e a carga aérea passou de eventuais pacotes para volumes cada vez maiores de mercadorias. Investindo cada vez no seu staff a TAM atingiu o status de grande empresa, mas continuava presa ainda aos grilhões da sua condição de regional. Lutou com as taxas aeroportuárias, lutou com os custos dos combustíveis de aviação, lutou contra a concorrência das grandes empresas e começou a questionar abertamente os critérios que ditavam a política aeronáutica do país. Rolim tinha já adquirido peso para isso, e usou esse prestígio de modo muito hábil.
Prêmio Santos Dumont
A década de 1990 encontrou a TAM numa posição tão destacada entre as regionais que muitos passaram a perguntar se ela podia ainda ser considerada como tal. Os Bandeirantes tinham sido vendidos, alguns a novas regionais como a Pantanal, onde passaram a explorar linhas de alimentação para a própria TAM. Dentro das filosofias de oferecer o melhor a seus passageiros, a TAM introduziu o famoso “tapete vermelho” para quem embarcava em seus aviões em Congonhas e trocou os turbos hélices F-27 pelos F.50, mais velozes e confortáveis mas também mais complexos de manter.
Winn Backer e Roberto no Fokker 50
E o Cte. Rolim teve de readequar suas oficinas de manutenção, enquanto lutava em Brasília para conseguir a mais tranquila passagem possível da sua empresa de regional para regular. Mas isso não o impediu de fechar bons negócios, como a compra da Brasil-Central (ex Votec Regional), enquanto negociava a criação da ARPA, sua primeira subsidiária no exterior (Paraguai). Outra aquisição foi uma regional paranaense, a Helisul, que absorveu a Brasil-Central e efetivamente passou a arcar com as linhas regionais do Grupo, que avançava a passos rápidos rumo a uma completa restruturação estrutural e administrativa. Mas tudo isso custou muito trabalho e sacrifício, principalmente com os altos e baixos de mercado que têm de enfrentar os empresários que atuam na aviação brasileira.
Marisa e Roberto no Fokker 50
Mantendo um ritmo de trabalho de fazer inveja Rolim continuou chegando às 7 horas da manhã para cumprimentar pessoalmente seus passageiros na Sala de Embarque de Congonhas, enquanto planejava a próxima etapa qualitativa que tinha imaginado para a companhia; o mercado internacional.
“Linhas e rotas de uma empresa não devem ser definidas pelo equipamento que usa”
Nos anos 90 a TAM – Táxi - Aéreo Marília tinha retomado suas antigas responsabilidades de táxi - aéreo e adquirido uma administração autônoma que somava o fretamento de aeronaves com a representação comercial dos aviões da linha Cessna no mercado brasileiro. Bastaram poucos anos para ela colocar os jatos Cessna “Citation” na liderança dos mais usados e vendidos no país.
Mas todos esses remanejamentos visavam preparar o grupo para outro voo mais alto, além das fronteiras brasileiras. Rolim vendeu seus Fokker F.50 e concentrou esforços nos jatos, comprando mais aviões F.100 sempre que tinha oportunidade, nem que para isso fosse preciso negociá-los na China e na Escandinávia. Mas nessa altura a indústria Fokker tinha encerrado suas atividades, e ele sabia que cedo ou tarde teria de substitui-los por modelos mais modernos e lucrativos, mas também mais caros. Fazer isso num país onde o valor do dólar pode aumentar ou corroer a margem de lucratividade das empresas aéreas foi, por si só, um novo ato de muita coragem administrativa. Bem ao tipo do Cte. Rolim, que era assediado com excelentes ofertas dos dois grandes fabricantes rivais: a Boeing e a Airbus.
Desenho do amigo Erkki Keijó Bohnn
No fim dos anos 90 a decisão tinha sido tomada: a escolha recaiu sobre os aviões da Airbus, numa jogada comercial em conjunto com o Grupo TACA (de empresas aéreas da América Central) e a Lan Chile. Este “pacote” literalmente sacudiu o mercado aeronáutico internacional, envolvendo mais de 100 jatos comerciais de última geração (75 deles para a TAM). Os primeiros a chegar foram os A.330-200, de grande autonomia, e logo a TAM estaria voando regularmente para a América do Norte e a Europa. Na América do Sul ela já atuava através da sua subsidiária paraguaia Transportes Aéreos del Mercusur, criada pelo Cte. Rolim para substituir a estatal paraguaia cujo controle acionário e administrativo ele tinha assumido.
Roberto foto do Marcio Jumpei
Em 2000, com os Airbus da família A.320 já firmados na preferência dos passageiros gradualmente relegando os F.100 à linhas secundárias e uma frota de mais de 75 jatos, Rolim conseguiu roubar da Varig a liderança nas linhas do mercado interno enquanto fechava o balanço anual com um lucro líquido de R$ 562 mil. Em 1999 tinha sofrido as consequências da crise de mercado e encerrado as contas no vermelho. Mas vencera o desafio, do mesmo modo que superara a crise gerada em 1996 pela queda do Fokker F.100 que caiu próximo do Aeroporto de Congonhas pouco depois de decolar, vitimando 99 pessoas. Nas horas difíceis como nas boas o sistema administrativo personalizado do Cte. Rolim conseguiu sempre contornar as dificuldades e ir em frente. Como disse o Presidente da Airbus Industrie, Noel Fogeard, em mensagem enviada à família do Cte. Rolim, “ele era a TAM”. Nunca isso foi tão verdadeiro na história da aviação comercial brasileira.