COMANDANTE E AMIGO DO COMANDANTE ROLIM AMARO
Meu caro amigo
É assim que eu começava todas as cartas que lhe mandei em trinta e tantos anos, e assim era como você também começava as mensagens a mim encaminhadas. Acho que essa expressão nasceu da intimidade dos sonhos e ideias que compartilhamos e dividimos ao longo de todos estes anos. Nasceu da comunhão de dois aviadores que sempre sonharam voar alto. Deixe-me dizer-lhe algo – outra expressão que era marca registrada sua – que nunca lhe disse antes; você sempre foi uma fonte de inspirações e exemplos. Devo confessar que procurava imitá-lo na coragem e na matreirice cabocla, nas frases de efeito, na audácia, na lealdade aos verdadeiros amigos e na originalidade. Ah, a originalidade! Você nunca suportou parecer-se com ninguém.

Quando todos seguiam a trilha dos Boeing, você surgiu com o Fokker 100 e voltou a surpreender com os Airbus. Costumava citar a frase: “quem não tem competência para criar, deve ter a humildade para copiar”; você sempre detestou copiar qualquer coisa de quem quer que fosse. Sempre manteve a coragem, a ousadia e a capacidade de trabalho dos jovens, e o que é mais importante, você conseguiu manter a TAM sempre jovem, ágil e dinâmica, como o são todos os jovens. Lembro-me que você sempre dizia: “aqui na TAM os velhos tornam-se jovens”.
Perdi o amigo, o companheiro de sonhos e projetos audaciosos, o conselheiro, o irmão e um pouco de pai. Perdi parte do otimismo e da coragem que sempre reabastecia contigo. Naquele dia, quando sobrevoámos o cemitério onde você estava sendo enterrado, com um Airbus da tua querida TAM, tive a estranha sensação de que você estava naquele cockpit comigo. Aliás, tenho a certeza de que você jamais nos abandonou: a sua empresa, seus funcionários, seus amigos, sua família e os seus amados aviões do Museu Asas de um Sonho.
Este sonho, meu amigo, tenha certeza de que iremos realizá-lo, custe o que custar. Ao receber o “Arauto”, jornal do Clube da Aeronáutica, e ler um pronunciamento do Brigadeiro Délio Jardim de Matos - teu amigo - alusivo ao aniversário de Santos Dumont - que você tanto admirava pela criatividade e audácia - tive a sensação de que era você falando, como nas nossas longas conversas. Por isso, peço licença para reproduzi-lo: “Do estado interior do homem é que depende o estado visível da sociedade. O mundo caminha e se harmoniza pela virtude das ideias, pelos sentimentos, pelas disposições morais e intelectuais do ser humano. A sociedade é o fiel espelho desta contribuição coletiva, onde cada um faz, sente e participa, segunda a grandeza de sua individualidade.
Há pois, uma responsabilidade solidária que a todos envolve e que de todos cobra uma atitude crítica e consciente diante dos problemas comuns. Quanta energia, entretanto, é despendida em rumos inúteis; quanto pensar perdido na insensatez dos que de tudo clamam e nada oferecem; quanta repetição desnecessária de falhos caminhos já testados. Criar não basta, é preciso viabilizar o novo, porque o lampejo criador não tem compromisso com o sucesso e nem só as palavras sustentam obras. Fazer acontecer é muito mais que sonhar e querer que aconteça.
O que digo são palavras óbvias, que por isso isto precisam ser ditas, porque a intelectualidade nos leva, muitas vezes, a trocar a simplicidade produtiva pela vaidade das soluções sofisticadas, que honram o autor mas nada acrescentam ao dia-a-dia dos que dela dependem. Consciência, criatividade e desprendimento; vontade, determinação e coragem; virtudes que engrandecem uma sociedade, virtudes de um grande brasileiro, virtudes de Santos Dumont”. Pois é, caro amigo, talvez a amizade e a lealdade cega me levem a cometer a ousadia de inclui-lo nesse texto.
Acredito que o Brigadeiro Délio e Santos Dumont – ambos devem estar ao seu lado – poderão me perdoar. Lamento não ter a palavra fácil e a capacidade de poder dizer-lhe tudo o que sinto e o que sentiram os teus amigos diante da tua partida. Por isso encerro esta carta bem teu estilo: fica com Deus e com todos os teus amigos que você tão bem cultivou e esteja tranquilo que por aqui tudo se ajeitará. A propósito, agora a nossa amizade e parceria continuam com o teu filho Marcos.