domingo, 6 de março de 2011

CLUBE DO MANCHE - DENIR CAMARGO



Ele não é o Papai Noel! Mas as crianças adoram ele!
Também nunca trabalhou numa empresa de aviação.
Mas foi escolhido pelo Lucas para ser a primeira pessoa a ter a sua história contada aqui no blog. Seu “Denir” como é carinhosamente chamado por todos no Clubinho do Manche há 30 anos.
Os médicos no seu nascimento se assustaram ao descobrir que ele não tinha uma gota de sangue nas suas veias. Somente anos depois a família descobriu porque corria querosene por todo seu corpo.
Em 1966, começou a fotografar e juntar coisas da aviação. Em 1974 editou sua primeira revistinha dedicada à pesquisa e historia da aviação, chamada MANCHE. 




Até meados da década de 80 havia sido 18 vezes detido para dar esclarecimentos à polícia das razões pelas quais estava fotografando aviões nos aeroportos e em praças no Brasil e da Argentina. Acreditavam inicialmente que era terrorista ou comunista. E assim passava horas dando explicações sobre sua paixão.  Certa vez, foi acordado de madrugada pelo telefone, era a Polícia de Porto Alegre, que havia detido um amigo fotógrafo alemão que tinha a mesma paixão. E graças às explicações do seu Denir, seu amigo foi liberado. Naquela vez até uma carta de agradecimentos recebeu da FAB.
Em 1983, em companhia de outro aficionado, criou CLUBE DO MANCHE, onde tem a alegria de dizer que “nunca cobrou taxa de inscrição, tampouco anuidade, ou mensalidade”. O CLUBE DO MANCHE em 2013 completou 30 anos de encontros anuais. Nestes anos, são incontáveis as visitas de colecionadores de várias partes do Brasil e do exterior, como Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Alemanha, Holanda, França, e dos Estados Unidos,


 “Em nossas reuniões, apareciam muitos veteranos, e acabava virando uma festa. Vários comandantes, pilotos e comissários de bordo começaram a frequentar nosso clubinho, desde muito cedo, alguns com idade de 10 anos ou menos. Vi muita gente crescer nestes trinta anos no Clubinho”.
Seu Denir sempre foi um sonhador, um Idealista, e podemos até chamá-lo carinhosamente porque não? de  Santos Dumont !  “O CLUBE DO MANCHE tinha a ideia de unir as pessoas em torno da aviação, trazer esperanças e sonhos aos adultos e  as crianças ao futuro vindouro. “ Muitas vezes o Seu Denir investiu de seus próprios recursos para ver a alegria despertar no interesse da gurizada pela aviação. Mandava imprimir centenas de cartões postais de aviões para distribuir na Convenção Anual.
“Meu interesse pela aviação, foi a partir do ano 1943, morando no interior, meu pai fazia o curso de piloto de recreio, e todo domingo, me levava até o campo de aviação, e enquanto eles tomava aulas de dirigibilidade, eu ficava brincando no gramado, ao lado da pista. “ E foi num desses passeios que o  “Presidente do Aero Clube, que era cliente do meu pai  passou a ocupar a função de instrutor em seu próprio avião (um Stinson Reliant, de três lugares) e como ele  sabia que  eu , filho do aluno ficava brincando no chão,  disse para papai  trazer o filho para voar conosco. Nesse dia foi o  meu primeiro voo, minha irmã de cinco anos estava comigo, e lá fomos, os dois de carona, no banquinho trazeiro , assim tive a sorte do primeiro e foi uma emoção inesquecível pra mim, e pra minha irmã, ver tudo do alto.

Seu Denir profissionalmente voou de 1969 até  2009, perfazendo mais de 450 viagens aéreas, pra todos os cantos do Brasil, e nos últimos anos, outras quase 50 só para  a Europa. Principalmente para participar de Feiras de Entusiastas de avião, como em Frankfurt, Munich, Londres, Paris, Bruxelas, e outras menores.
Uma de suas maiores mensagens “ Fico contente com aparecimento de jovens entusiastas, eu quando jovem, não encontrava com quem trocar ideias,   felizmente meu pai conversava comigo, quando o assunto era aviação.”
Outra descoberta do Seu Denir é o perfil dos colecionadores Europeus, Americanos e Latinos, onde: “Visitando muitas feiras no exterior, notei que lá, ninguém é juntador de
coisas, como nós latinos. Se a pessoa coleciona postais, não adianta
oferecer outra coisa, ela nem olha na mesa do expositor, que não seja
postais. 
 Um conselho:  “não seja egoísta, muitos que conheci ficaram isolados da maioria dos outros colecionadores. Faça amigos e seja amigo também!”
Seu time de coração: São Paulo
Uma frase: “Caixão não tem gaveta e sepultara não tem prateleira.”
Seu sonho:  “Só tenho a agradecer a vida! Tudo que sonhei eu realizei. Tenho uma Família Maravilhosa! Minha Esposa, Filhos e Netos. O que mais poderei sonhar? Ver a aviação crescer! Ver os jovens crescer com ela!
Obrigado a Fotos: www.asasmetalicas.com.br



Carlos Peres grande amigo o senhor Denir ,conheci o numa convenção em Frankfurt a alguns anos e nos encontrávamos todos os anos,mas a muito tempo que não o tenho visto por lá nem ele nem os amigos Brasileiros que o acompanhavam, se poderem falar com ele mando daqui os meus comprimentos e muita saúde e felicidade ....








































































Vou contar um pouco de minhas histórias que muitos acham engraçadas vividas na aviação. Sempre que encontro com amigos em reuniões, almoços, jantares, em viagens ou até mesmo num supermercado aproveitamos para relembrar estes e outros maravilhosos momentos que tivemos a oportunidade de vivermos. E claro, além de relembrarmos, aproveitamos para saborear com altas e gostosas gargalhadas.  Se estivermos em público, é impossível passarmos despercebidos. Alias, tem coisa melhor que dar uma boa risada com amigos verdadeiros ?

Mas primeiro vou contar um pouquinho da minha história particular, de minhas origens. Contar quem é a Marisa fora da aviação. Bom, então vamos lá. Tudo começou no interior de São Paulo na cidade de Sertãozinho. a história de minha mãe coincide com a história da cidade. O qual com a decadência do ouro, chegaram os primeiros colonizadores em meados do ano de 1900 para investirem na agricultura. Meus avós tiveram cinco filhos, e ninguém estudava naquela época. Minha mãe com uma visão diferente de vida, queria muito estudar. Isso era algo absurdo para aquela época e convenceu meu avô, que aceitou com a condição que se ela rodasse um ano ela iria parar de estudar. Mamãe aceitou a proposta sem pestanejar.

E assim, mamãe com muita dedicação e esforço se formou professora. Formada passou a dar aulas para as crianças no interior, essa era sua grande felicidade e realização profissional. Então para juntar pontos e poder entrar para careira no Estado, ela foi dar aula numa fazenda em Matinópolis. Assim, conheceu toda a família do fazendeiro, todas as famílias e as crianças. Tempos depois um dos irmãos do fazendeiro foi passar férias na fazenda e acabaram se conheceram, se apaixonaram e por fim casaram.

Depois de casada vieram morar em São Paulo. E eu e meus irmãos nascemos. Mas não queria desistir da carreira de professora. Indo dar aula num colégio no bairro Ipiranga chamado Nossa Senhora do Sion. Num determinado momento a escola passou a cobrar a mensalidade dos alunos, e como a maioria das crianças eram pobres e não teriam condições de arcar com estes custos, mamãe foi na Secretaria da Educação e conversou com o Secretário da Educação. Ele explicou que mamãe já era professora do Estado e então não mais iria dar aula no outro colégio que iria virar particular. Então ele lhe disse para mamãe escolher uma escola para dar aula, naquela época chamava-se de grupo. Mamãe ficou procurando e descobriu um grupo que estava sendo construindo, iria ser enorme. Então, mamãe voltou a conversar com o Secretário explicou que tinha encontrado, e ele autorizou o início das aulas mesmo em obras, desde que tivesse as mínimas condições de segurança e de trabalho e que se mamãe quisesse poderia ser até a diretora.

Mamãe não perdeu tempo, organizou sozinha primeiro as inscrições das matriculas, fez reunião com o padre e pediu ajuda a ele para fazer anuncio na missa, fez faixas, levou a mesa da cozinha para o grupo, fez tudo e consegui reunir as crianças, fazer as matriculas, mobiliar a sala de aula e montou o grupo. Quando o Grupo Joaquim Silva iria ser inaugurado, chegou uma diretora de outro grupo que havia pegado fogo para dirigir o grupo que mamãe havia organizado. Mamãe ficou muito amiga dela e nem se importou, porque o que realmente queria era ser professora, esse sempre foi seu sonho. Naquela época eu e minhas irmas todas éramos pequenas, assim mamãe levava sempre todas para o grupo, fez matricula da gente nos anos seguintes. Depois acabei sendo aluna dela. E eu era a única aluna que apanhava na classe, os demais alunos morriam de medo de minha mãe. Imagina a professora bater no aluno.

Na hora do recreio era muito divertido. Alias qual criança que não gosta da hora do recreio? Havia um muro muito largo de arimo para não ter risco de cair e era muito alto, que dividia a escola com a casa da vizinha. E as filhas da professora faziam aposta para ver quem subia e quem não conseguia subir tinha que pagar o lanche para quem conseguiu subir. Ficava a maior bagunça e a vizinha escutava o alvoroço e telefonava para a diretora da escola que haviam crianças em cima do murro. E lá vinha a diretora com as mãos na cintura e já falando alto "mas tinham que ser as filhas da professora!!!" E lá íamos nós pro castigo na sala da diretora e o pior era dois castigo, um no grupo e outro em casa, porque minha mãe ficava muito braba quando ficava sabendo que tínhamos subido novamente. Outro fato inesquecível meu na escola, ainda eu tendo minha mãe como professora, é que na reunião de professores de final de ano, a diretora já sabia que eu estava pendurada por meio ponto e a diretora sugeriu dar uma alterada na nota para eu não repetir o ano. Minha mãe, não aceitou de forma alguma. E eu ? Repeti o ano!!! E a diretora ? aceitou a posição de minha mãe, mas exigiu que no ano seguinte ela não fosse minha professora. E as demais professoras na reunião? ficaram com os olhos arregalados porque mamãe também dava aula para seus filhos, e ficaram preocupados com as notas de seus filhos.

Em dezembro de 1996 eu e meu esposo resolvemos tirar uns dias de férias e fomos para Fortaleza com a Tam, eu utilizei meus pontos do Programa da Tam para pagar a passagem. Com certeza foi o voo mais gozado e divertido da minha vida, tudo que jamais eu imaginaria acabou acontecendo naquelas cinco horas dentro do avião. Se eu não estivesse lá dentro, com certeza eu não acreditaria, e quando recordo ou conto para algum amigo é inevitável darmos boas gargalhadas. Como é bom recordar esses momentos alegres e sublimes, principalmente agora que estamos com os pés aqui em baixo seguros na terra. Bom, voltando a história, estávamos sentados bem a frente do jump seat, assento das aeromoças. Logo atras, estava sentado uma senhorinha que passou o voo todo rezando, morrendo de medo. Começamos o voo no final da tarde, e então começou a escurecer rapidamente. Então, as comissárias iniciaram a servir o jantar que naquela época o Comandante Rolim tinha o maior prazer e zelo pelo jantar e pelos vinhos, algo que hoje não existe mais. Nisto iniciou uma turbulência muito forte e foi suspenso o serviço. E a velinha atras de mim, começou a rezar mais alto. A comissária solicitou a todos os passageiros que voltassem a seus lugares e apertassem os cintos. Com isso a velinha, aumentou mais ainda a voz em suas orações. E meu esposo ao meu lado, começou a falar "Esse avião vai cair". A velinha ouviu e aumentou a voz mais ainda. E meu marido, ouvindo a reza, mais nervoso ficava e repetia também mais alto "Esse avião vai cair" e ela consequentemente aumentava sua voz. A situação se não fosse por causa da turbulência era na verdade surreal e engraçada. Um tempinho depois as coisas acalmaram, passou a turbulência e o serviço de bordo voltou. Mas a aeronave continuava sacudindo, a  velinha rezando e meu esposo falando que o avião iria cair, e eu agora jantando. Então, percebemos que vem em nossa direção o co piloto com uma lanterninha na mão e ligada, e solicita aos passageiros sentados a frente da asa para se levantarem que ele precisava olhar a turbina, e pega a lanterninha e coloca na janelinha do avião no lugar do passageiro para poder enxergar a turbina. A velinha deve ter enfartado nessa hora, porque ai que a sua voz ficou alta, e meu marido, claro, também falou alto "Eu estou dizendo que esse avião vai cair". E os dois apavorados. E eu com uma vontade de dar uma gargalhada Hoje, eu imagino o que os demais passageiros passaram vendo os dois naquela situação, era só o que faltava ter aparecido o co piloto com aquela lanterninha para inspecionar a turbina. Eu sentia que estava numa igreja rezando. Por fim, depois dele olhar, olhar, olhar, acabou voltando para a cabine de comando. E meu marido "Esse avião vai cair". E eu tentando explicar que havia entrado gelo na turbina e isso era normal, e provavelmente estava verificando isso, mas era perda de tempo querer explicar naquele momento. Com toda aquela situação, todos a bordo estavam um pouco ou mais nervosos, então as comissárias passaram o carrinho de bebidas para acalmar um pouco aquela situação. Nisto um passageiro próximo pediu um licor cointreau. A aeromoça foi servir no copo e não saia uma gota se quer da garrafa, ela virava e revirava a garrafa e nada de sair uma gota. Resolveu bater no fundo da garrafa e nada. A outra comissária observou a cena, e comentou para ela, "olha o gesto agressivo". Então a comissária, largou a garrafa e foi para o banheiro rir. Quando ela abriu a porta do banheiro havia um passageiro que não havia trancado a porta. E ela deu de cara como ele de costa la dentro. Imediatamente ela fechou a porta, e sentou no último assento e começou a rir baixnho muito, coisa que uma aeromoça não faz. Eu assistindo toda a cena hilária, expliquei para ela que a bolinha do licor havia ficado travada. E lhe perguntei se ela tinha um sacarrolha, porque com ele, poderia ser resolvido o problema. Ela abriu um lindo sorriso e disse "Tenho", e abrir uma gavetinha, mas ela estava tão ansiosa que ao abrir, acabou caindo tudo no chão, mais de dez pequenos utensílios. E ela me disse ainda depois de resolver e me agradecer "Hoje tudo acontece comigo" Vocês acham que acabou ? Ainda Nãooooo. Nisto surge o comandante para ir ao banheiro, que no Fokker 100, era no fundo do avião. Quado o comandante passou pela velinha, ela deu um grito para ele "O Sr. Não É o Comandante ?"  E ele cordialmente respondeu que sim. A velinha agora já braba replicou " E quem é que está lá na frente no comando do Avião?" E ele respondeu que estava o co piloto. E ela já muito brava respondeu "O Sr. me desculpe mas o Sr. não pode estar aqui. O seu lugar é lá na frente". E ele cordialmente tentando explicar que tinha porque iria ao banheiro. E alguém do meu lado dizendo "Esse avião vai cair hoje". Eu tinha vontade de dar gargalhadas altas. Terminou ? Ainda Não. Estávamos na época de Natal e naqueles tempos o  Comandante Rolim sempre sorteava algum brinde especial, e com tantas orações, a felizarda foi a velinha. Esse voo foi logo depois do primeiro acidente da Tam, então as pessoas estavam um pouco preocupadas. Eu não, porque sempre pensei assim, se caiu, caiu e pronto. Prefiro andar de avião do que andar de ônibus ou de navio.


Desde antes de existir o Código do Consumidor e de propagar os Direitos dos Consumidores, eu sempre me coloquei no papel de uma consumidora, e vislumbrei casualmente ou não o que a legislação viria a trazer em nossa proteção. Desta forma, há algumas décadas atras, no bairro que eu havia nascido existia uma padaria na esquina. Toda nossa família realizava as compras diárias, semanais e mensais nesta padaria. O proprietário conhecia toda minha família. Na época eu fumava, e toda vez que eu comprava cigarros o proprietário me devolvia o troco em uma caixinha de fósforo, quando chegava em casa, eu anotava num cantinho da caixinha o valor do troco.  O que as vezes era cinquenta centavos, ou trinta ou quarenta. O certo era que o valor sempre era variado para fechar o valor da compra, pois era de acordo com o que ele não tinha de troco. Passaram-se alguns dias ou semanas as caixinhas de fósforos já faziam uma pequena montanha. Então, juntei todas, e passei a somar o valor de todas para verificar se já dava para comprar um masso de cigarro. Quando finalmente fechou o valor, coloquei todas numa sacolinha e lá fui eu para a padaria comprar meus cigarros. Chegando no balcão, pedi ao mesmo Sr. que sempre nos atendia meu cigarro, ele me entregou e eu com muita sutileza virei as caixinhas em cima do balcão do caixa. O Sr. ficou olhando aquela cena sem entender nada, com um semblante de espanto e perguntou o que estava acontecendo e eu calmamente lhe expliquei: "Isso é dinheiro"  E ele respondeu imediatamente assustado e desconfiado "Como assim  é dinheiro" . E eu novamente expliquei "Toda vez que eu compro aqui, o Sr. me entrega essas caixinhas como troco, como se fosse dinheiro. Eu sempre aceitei como se fosse dinheiro. Então agora o Sr. também vai receber como dinheiro. E aqui está anotado o valor de cada caixinha que o Sr. me pagou, se quiser somar, está tudo certinho" Ele ficou olhando para as caixinhas de fósforos, na verdade nem sabia o que fazer. Não sabia se devia aceitar, se devia somar o valor de cada caixinha, se devia tentar dialogar comigo, ou se devia rir ou chorar. E eu ali, olhando séria para ele, mas como uma vontade enorme de rir. Com aquela cena. Imagina se todas as pessoas que ele entregava caixinhas de fósforo naquela semana viessem lhe devolver as caixinhas. Então ele coçou a cabeça, e simplesmente me disse "Muito obrigado e volte sempre".  Percebi que depois desse dia, ele nunca mais me deu um caixinha de fósforo, uma bala ou qualquer outra coisa no lugar de dinheiro como forma de troco. Me dava somente dinheiro, se ele não tivesse o troco, ele arredondava para baixo, mas não me dava mais nada.

Passaram alguns meses aqui em São Paulo houve um racionamento de leite, onde cada família somente podia comprar um litro de leite. Nós estávamos morando com a minha mãe. Assim, haviam muitas crianças em casa. Numa certa manhã, minha mãe foi comprar o leite, e pegou três litros, o mesmo senhor informou que ela somente poderia levar um litro em razão do racionamento. Minha mãe explicou que tinha um monte de crianças em casa. Mas ele explicou que a norma determinava que infelizmente era um litro por família. Minha mãe insistiu que precisava mais de um litro. E ele respondeu que não podia vender. Então minha mãe respondeu "Não vai me vender ? Então está bem! Eu vou comer todos esses pães que estão aqui em cima e não vou pagar nenhum deles". Rapidinho ele pediu a sacola de mamãe, colocou os três litros de leite dentro, mamãe pagou e foi embora.






Inesquecível era o atendimento da antiga sala de embarque da sala da Tam antes da atual ampliação do Aeroporto de Congonhas.  Havia um atendimento central com funcionários que serviam lanches, doces, sucos, refrigerantes, vinhos, bebidas destiladas, haviam chocolates em vidros grandes giratórios que antigamente os armazéns vendiam balas. Normalmente nessa sala de embarque existia um pianista ou saxofonista tocando suas músicas. Era um momento de relaxamento, principalmente para as pessoas que no final da tarde voltavam para seus lares em cidades distante. Um maravilho happy hour. Nesta sala também existia uma linda e enorme maquete da Tam. Lembro de uma frase que o meu amigo Rolim Amaro sempre dizia, "recebo todos aqui e no avião como se fosse na minha casa ". Tempos distantes que jamais voltarão, somente quem viveu aqueles momentos sabe o que foram os tempos do Comandante Rolim.




peps cola na tam e não coca cola

Falar do Roberto .....

Açougue do pai em Botucatu

Tinha um bar ao lado da escolinha na fazenda

Levava uma hora de trem e uma hora a cavalo

Cavalo se assustou e caiu do cavalo

o povo atirava o sapo na mamãe

De dia dava aula para as crianças e a noite para os adultos

Meu tio não tinha estudo e meu avo colocou ele em colégio interno, virou físico e foi parar na Antártida, chegou a falsificar um exame de transfusão de sangue para embarcar

Minha irmã fazia aula de latim























































MAIORES COLECIONADORES DE MAQUETES DE AVIÕES, MAIS DE 7.400 AVIÕES



Quem tem dez maquetes sabe o trabalho que dá para volte e meia dar um “brilho” nelas. Passar um paninho com todo o cuidado. Agora imagina mais de 7.400 maquetes. Só em pensar já fico todo arrepiado. E lugar para armazenar tudo isso? E foi assim que fomos atrás dos Comandantes Caio e Luiz Carlos. No início a ideia era apenas fazer a matéria sobre sua coleção, mas depois o senso de preocupação que eles têm com sua profissão, percebemos que isso é a diferença que estes profissionais têm. 


Que não dá para deixar para fazer amanhã o que se deve fazer hoje. Uma decisão equivoca poderá selar o destino de dezenas ou centenas de pessoas ou famílias.
Todos perguntavam como fazer para armazenar e limpar essa enorme quantidade de maquetes. Para todos a resposta era a mesma : Terão que aguardar a publicação da matéria. Alguns retorciam o nariz e fungavam.  Mas não adiantava!



Somos de uma família de aviadores e desde cedo nos interessamos pela atividade. Comecei a voar avião em 1979 e realizamos o Voo Solo com 8 horas de voo. Depois realizamos os cursos necessários e pilotei 16 aeronaves diferentes como piloto e como passageiro em 53 outras civis e militares, desde dirigíveis até aeronaves de grande porte. Sou Investigador de Acidentes Aeronáuticos e também escritor aeronáutico. Atualmente estamos aposentados mas ocupamos diversas funções de direção na Indústria Aeronáutica. 



Pelos serviços prestados à Aviação, fomos agraciados com a Ordem do Mérito Aeronáutico, Ordem do Mérito Santos Dumont, Medalha da Defesa da Pátria e como Membro Honorário do Esquadrão de Demonstração Aérea e Força Aérea Brasileira.





O objetivo é possuir na coleção modelos em escala de aeronaves para que possamos observá-las e obter informações para nossos trabalhos. 



Nossa coleção de aviões começou em 1966 quando recebemos um DC-3 da Indústria Metalma como presente de aniversário e um helicóptero da fábrica Estrela de brinquedos. Este helicóptero existe até hoje. Nosso primeiro avião de montar civil foi um Lockheed Electra II da VARIG, produzido pela Revell Brasileira, um modelo muito raro e dispendioso. 




Nosso primeiro avião militar foi um caça polonês PZL-11, também da Revell brasileira. Ambos e muitos outros que se seguiram não existem mais, pois até uns 9 ou 10 anos de idade, brincávamos, quebrávamos e não havia um método de acondicionamento adequado.



Quando começamos a trabalhar com 11 anos de idade, começamos a comprar mais aviões, montá-los e cuidar deles para que não quebrassem. Com o tempo a coleção foi aumentando e passamos a guardar as aeronaves separadas por escalas. 



Atualmente possuímos por volta de 7.400 aeronaves de todos os tipos, materiais, categorias e escalas. Temos aeronaves civis, militares e públicas, da aviação militar, comercial, executiva, geral, serviços aéreos especializados, de recreação, planadores, ultra-leves, balões, dirigíveis e foguetes.



São produzidas de plástico, metal, resina, madeira, fibra de vidro, papel e porcelana. As escalas variam desde 1/700 até 1/10.  As aeronaves são guardadas em prateleiras, separadas por escala, para que fiquem na mesma proporção.  Chegamos a montar uns 2.000 aviões de plástico, em kits, mas com a idade, dificuldade de visão, falta de tempo e outras incumbências, passamos a preferir os aviões prontos.



Percebemos que com o tempo, muitos aviões produzidos em kit plástico, se deterioram de certa forma. A tinta perde o brilho, as vezes descasca, as decalco manias ressecam caem ou amarelam e muitas vezes a cola especial que solda o plástico, apresenta um processo de corrosão que ocasiona a ruptura e separação da peça, como a soltura de uma asa, trem de pouso ou profundor.



Por isso agora preferimos os modelos fabricados, que são entregues prontos para expor, além do que são mais resistentes e fácil de limpar. Naturalmente montamos um avião ou outro, mas tem que ser muito raro e especial e utilizamos apenas cola do tipo “super-bonder”.



Não temos tempo ou disposição para registrar a história de cada avião. O que há é um, livro diário com a data de compra de cada modelo, designação do modelo, quem fabrica, onde foi comprado e qual é a escala.



Naturalmente que alguns modelos e maquetes se sobressaem. Temos um Ilyushin IL-62 da empresa Cubana de Aviacion, do qual foram produzidos apenas dois exemplares, e que apenas nós e o Ditador de Cuba Fidel Castro possuem exemplares. Possuímos também um Northrop F-5E da Força Aérea da China Nacionalista, que ficava sobre a mesa do Comandante da Força, o General Ching Kuo, filho do Presidente Chiang Kai Shek.



Há também aeronaves produzidas em ferro maciço, geralmente por oficinas militares e civis. Algumas delas foram fabricadas a partir do metal de aeronaves acidentadas, como um F-4E da Força Aérea Israelense, produzido a partir de um avião deste modelo abatido em Sidon no Libano, quando os dois tripulantes morreram, um F-5E da FAB produzido dos restos de um avião que caiu nas proximidades do Galeão quando executava a aproximação no voo de entrega em 1973, um T-33 que caiu em Canoas e um AT-26 acidentado em Natal.


Os aviões ficam armazenados em um imóvel próprio que não é aberto à visitação pública, sendo vistos apenas por convidados. Isto se deve ao fato de não dispormos de vitrines envidraçadas, que os protejam de contato manual. O imóvel tem suas janelas lacradas de forma que não haja entrada de poeira. A limpeza é feita ocasionalmente, pois quase não há acumulo de pó.



As aeronaves são adquiridas de vária fontes no Brasil e no exterior, embora ganhemos várias, de empresas e personalidades que conhecem a coleção. As mais especiais são as que mencionei acima.



É importante salientar que existe a Coleção Geral. Mas há também as Coleções Especiais, compostas por aeronaves que gostamos mais ou que tivemos oportunidade de voar. Assim, temos coleções específicas de aeronaves Northrop F-5 Freedom Fighter e Tiger II e IV, Dassault Mirage III, North American T-6, Beechcraft 18, Mc Donnell F-4 Phantom, Lockheed F-16, Boeing F-15, Douglas DC-3/C-47, Convair 340, 440, 580, Boeing 707, Boeing 727, Boeing 737, Boeing 747, Lockheed C-130 Hercules, DHC-5 Buffalo, Linha de aviões Piper, Embraer T-27 e A-29, Embraer Bandeirante, Embraer 145 e 190, helicópteros Bell 205, 212, 214, 214ST e 412, Bell 47, Bell 206 Jet Ranger, Sikorsky SH-3, Sikorsky CH-53, Aerospatiale Ecureuil e Aerospatiale Puma e Super Puma.



Estas Coleções especiais variam de poucas unidades até duas centenas como no caso do Boeing 737.  Quanto as maquetes que desejamos, sempre aparece uma nova. Como temos pessoas que fazem por encomenda, não temos este tipo de problema. Quando queremos alguma, mandamos fazer.


Eu sou piloto de avião e meu filho é piloto de helicóptero. Passamos a vida na aviação e foi uma escolha natural. Podemos afirmar que a pilotagem e o voo de helicóptero exige uma maior capacidade de atenção e coordenação motora do piloto, pois o helicóptero não voa sozinho, é uma aeronave muito sensível, além do que seu custo de operação é muito mais alto que o do avião, sem mencionar que a operação é mais complexa, pois por ser uma aeronave mais versátil, oferece maiores opções e possibilidades, que geram um maior nível de exigência e planejamento para a execução da missão.


No Brasil tudo é difícil, que é propagado como o “Berço da Aviação”, não existem pessoas capazes de perceber a importância que a Aviação tem para um País em desenvolvimento. Estas pessoas não perceberam o valor e a utilidade da Aviação como fator e indutor de desenvolvimento nacional e veem a Aviação como uma Atividade de ricos, e de indivíduos que tem dinheiro para jogar fora. Neste âmbito estão os custos exorbitantes, o altíssimo custo dos combustíveis, as dificuldades de toda ordem que os interessados em seguir as carreiras de aviação enfrentam, as dificuldades em resolver os problemas e atender as necessidades e então por um sistema econômico e empresarial que percebendo todos estes problemas, procura investir em outro ramo de atividade.


A Aviação é uma atividade que exige dedicação exclusiva. É como um Sacerdócio, uma profissão que exige tempo integral, esforço, sacrifício e disposição para o estudo. Não é uma profissão qualquer que você cumpre seu horário de trabalho, vai embora e só volta no dia seguinte. Na Aviação, você levanta e vai dormir imerso na atividade, tendo sempre em mente o que tem que fazer e o que ainda não foi feito.


Naturalmente que como em qualquer profissão o objetivo é ascender na carreira, voando um avião melhor, tendo um bom emprego. Porém não importa para que tipo de aviação o profissional vá, o que interessa é que realize seu trabalho com qualidade e segurança, tendo em mente em primeiro lugar, sempre sua segurança e a da aeronave. Se estes dois aspectos forem levados em consideração, o Acidente Aeronáutico não ocorrerá, ninguém se ferirá ou morrerá e a aeronave continuará inteira, para que você possa continuar exercendo sua atividade, mantendo seu emprego e a empresa pagando seu salário.


Atualmente a Aviação tornou-se uma Atividade muito complexa, difícil, onde muitas vezes se cria dificuldades para se vender facilidades. Muitas leviandades, irrelevâncias, que consomem tempo, dinheiro e criam dificuldades de toda ordem.


Você como profissional tem que aprender a enfrentar e contornar estes problemas, procurando exercer a profissão com Conduta Operacional, correção, lisura e segurança, pois a partir da hora em que a empresa lhe confia uma aeronave, você tem a obrigação de conduzi-la de acordo com o que dispõem os regulamentos, com total proeficiência, segurança, produtividade e economia.



Quando visitam nossa coleção de maquetes geralmente as pessoas ficam impressionadas e demonstram interesse pois sabem que a coleção existe a muitos anos e cada miniatura representa grandes histórias, políticas, guerras, engenharia e etc.    O pessoal da aviação mostra mais interesse, mas todas as coleções existem por um motivo por isso é muito difícil alguém ser indiferente.






Presentes de Aniversário e Natal normalmente são maquetes ? Sempre! entre eu e meu pai já é até uma regra. O presente principal é sempre uma maquete, se possível várias e em objetos necessários são colocados como segunda opção. Desde criança, sempre dei um presente dentro a possibilidade da mesada, por isso, muitas miniaturas a meu pai.






Se me perguntar se os amigos nos  zoam?  Não foi fácil construir a coleção durante todos estes anos, acreditamos que deve haver respeito.  Se achamos que alguém poderá “zoar” não apresentamos nossa coleção. Mas algun de brincadeira e não de maldade brincam conosco mas sabem a importância que ela tem para nós.



Ainda não houve uma matéria escrita ou na tv sobre a sua coleçãopois a coleção fica em um apartamento, não possibilitando a visitação de grandes grupos, a falta de tempo também impossibilita que acompanhemos todos os interessados, infelizmente.  Mas quando possível iremos coloca-la em um imóvel maior e abrir a visitação.



Estou com um projeto de construir novo ferrorrama com um aeroporto, é claro! Quando eu era criança ( Caio ) e tinha um ferrorrama em casa, havia a mini maquete de um aeroporto nele. Vai ser muito bom relembrar aqueles tempos.


Em maio deste ano eu e meu pai estávamos passeando pelo Bairro da Lapa no Rio de Janeiro, lá existe um antiquário e quando entramos nos deparamos com um grande Boeing 747 de 2 metros em estado deplorável, após uma negociação o compramos.  Mas ainda não houve tempo para reforma-lo, acho que vamos pintar como o da Pan Am.  Temos também 2 maquetes de um Bell 430 e de um 427 doadas, mas semi acabadas, ambas de 1,5m.




Temos alguns modelos produzidos em locais menos comuns como, China Nacionalista, Coreia do Norte e Rússia.  Comemoramos com as compras do 1001, 2001, 3001 e etc!  Temos a meta de termos a maios quantidade possível e, preferencialmente, adquirimos modelos que ainda não possuímos.
 


Acreditamos que um dos maiores, mas não conhecemos colecionadores colecionadores do Brasil que colecionam todos os tipos de maquetes. Conhecemos mais plastimodelistas, mas na maioria dos casos eles possuem mais interesse na montagem, perfeição e historia que o modelo representa. Nós colecionamos por modelos, não levando em consideração marca, escala e material.
      

Algumas vezes participamos de exposições que são focadas no plastimodelismo e na perfeição e qualidade de montagem dos kits, não é muito a nossa área. O transporte dos modelos também é complicado, preferimos deixar eles nas suas caixas protegidos.


Já passamos por situações complicadas Quando houve a Grande Enchente de Blumenau na Decáda de 80, meu pai levou mantimentos para os desabrigados em um Piper Seneca, e na aproximação, com mal tempo, ocorreu um incidente de quase colisão um SH-3 Sea King da Marinha. Eu cheguei atrasado para um voo de acrobático e tragicamente ocorreu um acidente vitimiando o piloto. Entre outras. Com as maquetes, não que eu lembre...


A emoção de pilotar pela primeira foi vez foi muito legal, embora seja o inicio de uma etapa perpetua não é um dos voos mais prazerosos, pois tentamos controlar algo que não temos facilidade (Helicoptero). Avião eu já voo desde criança com meu pai, então será uma grande novidade quando eu iniciar o curso de PPA. 
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Ainda não não passei o Natal longe de casa, mas são ossos do ofício, escolhemos uma profissão que pode exigir uma situação diferente de você a qualquer hora.





O primeiro emprego é muito gratificante ainda mais nos tempos de hoje, com a grande crise e pessoal muito especializado no mercado. É o momento de acumular horas e fazer contatos, pois, principalmente na aviação de helicóptero será o seu contratante atual que dará o aval para o seu próximo emprego. 



O meu primeiro uniforme de piloto já foi o Macacão, embora seja meio quente eu gosto, pois é uma roupa protetora que não exige tanto cuidado como camisas e calças sociais. Claro, é muito gratificante estar com o uniforme de uma profissão tão desejada e conquistada.


 Sempre voei pelo Brasil (Luis/Pai)em aeronaves de médio e pequeno porte. 
Eu (Caio) pretendo voar até quando o CMA (exame médico para pilotos me permitir) hoje, meu Pai está desempenhando funções administrativas no cargo de Vice presidente do Aero Clube do Paraná e Dr de Seg. de Voo, cuida dos que voam. Mas saudade sempre vem, seja dos momentos bons que aconteceram  ontem ou a trinta anos passados.


A minha mensagem que deixo para os jovens é que a aviação é a Atividade de uma vida inteira para muitos. É empolgante, diversificada, dá a oportunidade de se conhecer muitos lugares, e na maioria das vezes oferece uma remuneração que se não é excelente, possibilita que o profissional viva com certo conforto.



Porém é uma Atividade exigente desde o momento em que a pessoa decide iniciar a carreira, pois impõem gastos, custos, estudo aprofundado, elevado nível de atenção, e a possibilidade de se ter que abandonar certos afazeres e divertimentos.

É uma carreira cara, que exige consideráveis investimentos, mas quem não tem recursos e possui menos de 20 anos, pode realizar um Concurso de Admissão para as Academias Militares, que oferecerão dentro de seus regulamentos e procedimentos, a possibilidade de o candidato se tornar Piloto Militar, com o curso totalmente custeado pelo Governo e ainda desfrutará de emprego garantido após formar-se como Oficial.
    
CMTE. LUIZ CARLOS FERNANDES DE SOUZA

CMTE. CAIO LUIZ FERNANDES DE SOUZA

































































































Maquete Danilo Nascimento de Oliveira

 

Tenho o orgulho de dizer aos quatro cantos que o vento possa levar minhas palavras que nasci, cresci e quero morar na zona rural, no interior a aproximadamente de 50 kms da pequena cidade de Muquem do São Francisco no oeste do Estado da Bahia, e nossa casa fica distante a 60 kms do Rio São Francisco, o povoado mais próximo é o de Javi que fica a 15 kms. A vida no campo para o pequeno agricultor é muito difícil, principalmente no sertão nordestino que depende muito das chuvas. Se plantava um pouco de tudo e sempre havia a época da colheita, assim sempre tínhamos na mesa o arroz e o feijão, até podia faltar as vezes alguma coisa ou outra, mas o essencial nunca nos faltou. Mas nos últimos anos a seca tem sido terrível com o sertanejo, aprendemos a não perder tempo e desistir de semear o arroz e o feijão. Nunca passamos fome ou sede. Tenho meus pais vivos e três irmãos casados que não moram mais conosco, mas estão morando próximos. A propriedade meu pai herdou de meu avô. 

 

A vida na roça é diferente da vida na sociedade. Nossas ferramentas são a foice, machado, facão, enxada, pá. E acredito que a grande maioria das pessoas na cidade nunca se quer botaram suas mãos num machado. Aqui na roça, as vezes até as mulheres pegam num machado. Antes da chegada da luz tudo era muito diferente. A noite não era uma escuridão total. Era uma escuridão profunda. E com ela passava-se as estórias de gerações a gerações de lobisomem. Volte e meia alguém contava no vilarejo que o lobisomem tinha aparecido em tal lugar e matado uma vaca. Aquilo se espalhava rapidamente em toda a região. Ninguém saia a noite. Todo mundo ficava trancado nas casas com medo. Isso até prejudicava nas atividades da lida porque a criançada, jovens e até adultos tinha medo de ficar sozinhos. Andar a noite na escuridão só em última necessidade. As pessoas juravam que tinham "livro zia", que era o fato de ter enxergado o lobisomem. E com as chuvas a noite, vinham os trovões e relâmpagos. Nessas horas que lembrávamos dos lobisomens. Cada trovam era um aperto no coração. Os relâmpagos clareavam todo o horizonte. 

 

Nossa casa não é de cimento ou de pau a pique. Ela é de adubão, que é feito com o barro pisado. Houve uma época quando eu era muito criança que nossa casa não tinha portas e janelas e o gado chegava a  entrar dentro de casa. Com o passar do tempo, meus pais foram melhorando a casa, colocando portas e janelas. Até alguns dois anos atrás se podia dormir com as portas e janelas abertas em razão do calor. Hoje a criminalidade chegou em nossa região, há notícias sobre assaltos e crimes ocorridos a noite. Assim todos dormem trancados em suas casas. Então a brisa da noite não entra mais nas nossas casas para refrescar nossos sonhos. Nosso povoado é um local de muita paz e muita tranquilidade. Até hoje nunca existiu um assassinato. É um local muito acolhedor. O transporte no passado era muito comum ser o jegue. 

 

Minha família sempre exigiu que eu estudasse tanto na escola como em casa. A cada ano que eu passava sempre foi uma vibração, uma nova conquista para todos. Um novo mar de conhecimentos de geografia, história, ciências, matemática. Meu pai estudou apenas alguns meses, quando vieram professores de fora apenas para ensinar a ler e escrever. Assim, meu pai aprendeu a ler e a escrever um pouco e minha mãe fez até a quarta séria primária. Eles sempre foram minha inspiração para querer mais e mais. Comecei a ir para a escola aos nove anos num colégio na nossa zona rural, mas fiquei apenas um ano. Foi quando criaram um coletivo para os estudantes até o povoado de Javi. No primeiro ano o ônibus tinha um único ponto para pegar todos os alunos, o que dificultava aqueles que moravam longe, eu morava a três quilômetros, assim todos os dias tinha que caminhar três quilômetros na ida e na volta para casa. Já no segundo ano, refizeram a rota do ônibus, bem mais próximos que facilitou a vida de todos os estudantes. Hoje o colégio de nossa zona rural está fechado a vários anos. Tenho segundo grau completo em escola pública. Nunca tive uma ambição de fazer uma faculdade, sempre fui muito realista em relação as minhas condições financeiras e a distância de um curso superior no meu meio rural impossibilitam também, pois teria que residir numa grande cidade e hoje tenho plena certeza de que não tenho esse desejo. 


A alguns anos atrás minha irmã Daniela morava em torno de Brasília e me convidou para morar com ela e tentar a vida na grande cidade. Acabei topando e fui morar com ela. Fiquei pouco tempo, algo de quatro meses. Minha experiência em tentar morar em Goiânia e Brasília representaram que eu era um passarinho preso numa gaiola. Já na chegada quando a Brasília, avistei aqueles edifícios gigantes eu fiquei abismado, imaginando como as pessoas poderiam morar e trabalhar lá em cima. Depois já passando um tempo na cidade trabalhando eu costumava parar em frente aos edifícios e admirava de baixo até lá em cima os prédios. Imaginava como tiveram a inteligência de projetar e construir algo assim. Já tinha visto na televisão, no celular e em livros imagens de prédios, mas estar de frente com uma edificação faraônica era surpreendente. Ficava imaginando como o vento e um temporal não derrubava eles. Imaginava que quanto mais alto mais perigoso. Desta forma, todos os dias antes de iniciar meu trabalho eu costuma olhar para o céu atrás de algum avião e também ficava encantado admirando aqueles enormes prédios, que na verdade até hoje me encanta por sua beleza, sua arquitetura. 


Meu cunhado conversou com alguns amigos e conseguiram um emprego numa empresa de estruturas metálicas.  Trabalhava como pintor, ajudante geral e estava aprendendo a montar as estruturas. Mas foi assim que vivenciei de perto as dificuldades das pessoas nas grandes cidades, principalmente de quem mora na periferia.  Por exemplo andar de ônibus coletivo dentro da cidade foi uma das minhas piores experiências que passei, foi terrível. Os trabalhadores todos os dias sendo transportados apertados em pé aglomerados antes e depois da sua jornada de trabalho. Mas pior ainda foi meu primeiro dia de trabalho indo de ônibus. Acordei as cinco da manha. Estava morando a 30 kms de Brasília então tinha que acordar cedo mesmo. No primeiro dia havia ido de carona de carro com um dos colegas, então havia me explicado como ir de ônibus para o trabalho. Lá estava eu na parada de ônibus aquela hora na escuridão. A cada ônibus que parava eu parava e perguntava ao motorista se passava no endereço da empresa. E um atrás do outro, a resposta era "esse não, é o próximo coletivo". Até que enfim chegou o meu ônibus. Transbordando de pessoas. 


Devagarzinho consegui chegar até o cobrador e ele confirmou a informação do motorista. Foi quando percebi que haviam pessoas dormindo, lendo, conversando, mexendo no celular, ouvindo música. E o ônibus anda e para, sobem e descem pessoas, dobra a direita e a esquerda. E cada vez entra mais pessoas e se tem menos espaço. A impressão que eu tinha é que éramos todos gado ali dentro. O tempo passa. E nada de chegar. E eu aflito olhando o relógio. E eu pensando: " Meu Deus o que eu estou fazendo aqui dentro desse ônibus." Pergunto novamente pro cobrador se está longe uma, duas, três vezes. Ele só me olhava e já respondia: "mais um pouco a gente chega". Meu coração já estava saltando do peito e nada de chegar. Voltas e voltas. Até que chegamos. Nos outros dois ou três dias, a mesma agonia até aprender direitinho o trajeto e ponto de descer. Descobri até que na frente do coletivo existia uma placa em cima com o nome e número do ônibus, algo simples para quem sempre morou na grande cidade. 


Alguns dias depois fui orientado pela empresa a ir numa clinica para realizar os Exames Médicos para assinar minha carteira de trabalho. Quando me deram o papel com o endereço eu não perguntei como faria para chegar lá. Então, só de lembrar já dá dor de cabeça. Lembro que quando sai da empresa e cheguei na calçada, nem sabia para que lado ir. Totalmente perdido. Comecei a perguntar para um e para outro, e as pessoas iam orientado. E diziam que era muito longe, mas longe mesmo. Só o ponto do ônibus já seria longe. E eu caminhava algumas quadras e perguntava de novo. E assim eu ia caminhando sem saber por onde eu andava, e muito menos saberia como voltar. Consegui chegar no ponto de ônibus e pegar. Ao conversar com o cobrador, uma senhora ouviu minha história e disse que iria até aquele lugar, ficou tão sensibilizada que até pagou minha passagem. Finalmente cheguei no local, um edifício enorme, todo de vidro. Mas eu não conseguia entrar. Estava de frente para a porta, mas não sabia como abrir ela. Uma porta toda de vidro. Então, pensei vou esperar aqui fora até alguém entrar ou sair e então eu entro. Mas nada de ninguém passar pela bendita porta. Foi então que encostei meu rosto no vidro e fiz um sinal para dois jovens que estavam do lado de dentro. Perguntei para eles como fazia para abrir a porta. Os dois se olharam assustados e incrédulos, porque não acreditavam que eu não sabia entrar no prédio. Um deles perguntou em tom de gozação: "você não sabe mesmo abrir a porta? Fala sério" Mas o outro me disse "Empurra com a mão e entra". Eu empurrei e a porta de vidro abriu para o lado, entrei e quando soltei ela fechou, até pensei que iria bater e quebrar, mas não, fechou devagarzinho. 


Na hora do almoço as vezes eu levava marmita que minha irmã fazia, mas não queria explorar ela para fazer e também eu não sabia cozinhar para fazer. As vezes eu acabava comprando algo na rua para comer para ela não ter trabalho comigo. Já num outro trabalho que tive em Goiânia foi num restaurante no final da tarde até o início da manha do dia seguinte, então eu comia no próprio restaurante. Onde eu trabalhava como serviços gerais, lavava pratos, talheres, tudo que fosse. Entrava e saia da câmera fria com o corpo quente, isso na época prejudicou minha saúde, descascava batata, cenoura, cebola, abóbora. Embalava as refeições e quentinhas feitas. Esse restaurante não tinha salão para comer as refeições. Era feitos as refeições e distribuído para presídios, hospitais e outros lugares e cidades que nem sei onde eram. Eu entrava as dezoito horas e trabalhava até meia noite, quando a gente parava para jantar. Descasava meia hora e voltava pro trabalho até as seis da manha. Quando tínhamos que carregar os caminhões baú, que iriam distribuir. Eu não gostava dali, não havia reconhecimento nenhum do trabalho de nenhum dos trabalhadores. Todos nós éramos engrenagens. Diferente da empresa de estrutura metálica onde diversas vezes fui elogiado pelo meu chefe pelo trabalho que estava realizando. 


Dentro da cidade também era tudo estranho, tive que aprender a atravessar as ruas. Aprender a usar os semáforos ou sinal de pedestres. Nisso eu era muito esperto. Sempre fui muito ligeiro. Quando o sinal mudava para o verde para o pedestre, eu já caminhava muito rápido ou correndo com medo de mudar para o vermelho e abrir para os carros e sofrer um atropelamento. Enquanto que os outros iam bem devagarzinho. Eu além de estar verde ainda olhava para os dois lados para ter certeza que todos os carros estavam parados. As feiras de rua enormes. Muito diferente da minha cidade. As vendedoras pegavam no meu braço e já me perguntavam "E ai jovem, o que você quer hoje? Vamos dar uma olhada nas calças que estão em promoção." Eu ficava espantando no início com isso, cheguei a pensar que até éramos conhecidos, depois que percebi que faziam isso com todo mundo para vender os produtos por causa da comissão. Outra vez estava na feira e um pilantra me ofereceu um espetacular celular, eu disse que não tinha dinheiro. Ele olhou o meu e disse que precisava de dinheiro e fez a proposta de trocar pelo meu se eu desse mais cinquenta reais que ele precisava. Cheguei em casa feliz da vida. Foi então que descobri que aquele celular era uma porcaria, não funcionava nada. Pirataria grotesca do Paraguai. Voltei na feira para tentar encontrar o caloteiro, mas nem cheiro dele, fiquei com o maior prejuízo. 


Cheguei a quase brigar uma vez dentro de um ônibus porque um drogado respondeu alguma coisa que eu não gostei e lhe devolvi no mesmo tom, ele venho para cima de mim, e eu respondi que ele não respeitava ninguém dentro do ônibus, não respeitava as mulheres e nem as crianças. Quando vi, o povo tomou partido e deram uns apertos nele e se ele não ficasse quietinho iam botar ele para fora do coletivo. Também fui morar em Goianésia, onde trabalhava com meu primo. Lá fui assaltado duas vezes, roubaram duas vezes bicicletas minha. E em Goianésia eu tinha mais liberdade, era uma cidade menor, eu podia andar de bicicleta e caminhar mais a vontade. Meu primo podia olhar meu empenho no trabalho. Um tempo depois meu primo desistiu do trabalho e foi embora. Então, eu fui trabalhar na Secretária Estadual de Educação, onde conheci várias pessoas, passei a usar um uniforme. Fui alocado para cuidar dos jardins das creches e colégios. E quando não tinha serviço eu voltava para a secretária trabalhar como porteiro, almoxarifado, distribuição de merenda. Era um trabalho tranquilo, aprendi muitas coisas com o Sr. Sebastião e com todas as pessoas. Eu gostava muito de lá. Eu tive que sair porque eu era terceirizado e a empresa tinha que renovar o contrato, nesse meio tempo voltei para casa. E nesse tempo tive uma crise forte de ansiedade e de pânico. O pessoal fez vários contatos para eu voltar, mas não tinha mais vontade de voltar em razão da crise que tive. 


Meus parabéns a todos os trabalhadores brasileiros que enfrentam um coletivo lotado todos os dias para trabalhar. Eu ficava horas dentro de um para ir e para voltar ao trabalho em pé. Meus braços doíam de tanto me segurar em razão das freadas, das curvas, dos solavancos. E também porque não queria encostar nas outras pessoas sentadas, eu ficava firme. Sempre achava que seria uma falta de educação encostar nas pessoas sentadas, principalmente mulheres. Em Goiânia estava com meu primo Francisco e ele comprou o "Cit Passo". Na hora de passar na catraca eu coloquei na catraca o "passe" e era rejeitado uma, duas, três vezes. E o povo atrás já nervoso berrando querendo passar para entrar no coletivo e eu ali na catraca passando a maior vergonha. Acabei chamando meu primo que me mostrou que havia uma seta no cartão com o lado correto para colocar na catraca. Hoje não tenho medo de enfrentar qualquer desafio em qualquer cidade grande. Cheguei a pegar ônibus errado, aprendi a perguntar para todo mundo, para as pessoas, motoristas, cobradores, pessoas na rua.  Mas tudo isso foi muito bom. Hoje não sou mais tão ingênuo como eu era a muitos anos atrás. A gente aprende apanhando. Aprende na dor e na coragem. Quem tem boca vai a Roma. Esse mundão ai fora é um mundo selva de concreto, e para sobreviver não pode ser bonzinho. Ele te devora e ninguém vai perceber, você é apenas mais uma pedrinha que caiu do caminhão carregado que está indo para a obra.


Com o passar do tempo trabalhando na cidade, comecei a me sentir preso. Tinha perdido minha liberdade, meu contato com a natureza, com o mato, com o futebol,  com o agreste, com meus pais, com os animais, com meus amigos de verdade, com as trilhas, com os açudes. Minha vida passou a ser "trabalho / casa" e "casa / trabalho". Comecei a pensar se aquela vida era o que eu queria de verdade para o meu futuro. Por outro lado, o que eu ganhava, basicamente eu acabava gastava, sem conseguir juntar quase nada. Não podia nem mais construir meus aviões. Percebi que na cidade você ganha mais, porém gasta em dobro. E cada vez mais batia a saudade maior. Até que um dia eu decidi, conversei com minha irmã e depois com meu patrão. Sou do campo e aqui quero ficar, casar, criar meus filhos, fazer minha vida, trabalhar e um dia morrer. A muitas décadas na nossa comunidade se falava sobre a chegada da energia elétrica. Era uma esperança que todos tínhamos de um dia termos uma lâmpada acessa dentro de casa ou uma geladeira. Pensávamos em coisas simples. Como a noite acordar e poder acender uma luz. Coisas que a maioria do povo brasileiro já tinha desde que nascia. A gente imaginava tanta coisa. 


Tinha tantos sonhos, como beber uma água gelada ou não ter mais que comer só carne de sol. Apesar de eu preferir beber água de pote, que é numa temperatura natural, pois meus dentes são sensíveis. Com o passar dos anos, muitas vezes a gente nem acreditava que ela chegaria. Um certo dia a uns dez anos atrás ao passar na BR avistamos vários postes, equipamentos, rolos enormes de fios, caminhões enormes, tratores e muitas pessoas trabalhando. Ficamos sabendo que tudo aquilo era para a energia elétrica também para o nosso povoado. Aquilo nos trouxe uma energia e felicidade sem tamanho. Passamos a imaginar os trabalhadores em frente a nossa propriedade colocando os postes, puxando os fios até a nossa casa e ligarmos uma lâmpada. Os buracos dos postes foram feitos manualmente por pessoas da região que foram pagos para isso, quando os buracos estavam quase concluídos, começaram a instalar os postes com os caminhos guinchos. Acho que aquilo era o melhor filme ou novela que qualquer um de nós poderíamos assistir. Depois começaram a instalar a fiação entre os postes com rolos enormes. Logo em seguida começaram a levar os fios para cada casa, uma a uma.

 

Para nós a isso foi uma revolução no nosso meio rural, chegou à energia elétrica, e com ela o banho com chuveiro elétrico, as lâmpadas, a famosa televisão e tantas outras coisas que até 2010 nem imaginávamos o que seria ter. Então, iniciamos um processo de divórcio amigável para ambas as partes. Aposentamos os velhos e guerreiros candeeiros a óleo diesel, lampiões a querosene e velas. Nunca tivemos a oportunidade de ter uma geladeira a gás, assim a solução para a carne era salgá-la bem e colocar no sol, a famosa carne de sol. Para ouvir um jogo de futebol tinha que ir à casa de um amigo que tinha um rádio de pinha e que tivesse as pilhas. 


Porque não era todo mundo que tinha um rádio e as vezes não tinha pinhas. Para quem nasceu e viveu a vida toda sem a luz, e de repente depois de muito tempo de espera, ela chega. E então, temos as lâmpadas para ligar, que alegria. Com o tempo chegou à televisão, a geladeira, o ventilador, liquidificador e outras muitas coisas que eu uso como furadeira, maquita, esmerilhadeira, máquina de cortar cabelo e muito mais. Para nós a energia foi uma solução e uma gratidão imensa. Nossa vida era totalmente diferente. Nós olhávamos para o céu e enxergávamos a lua e as estrelas lá longe brilhando. Enquanto se olhássemos para frente, para os lados ou para trás você só enxergava a escuridão. Vieram também os postes nas ruas, o que permite as pessoas até caminharem a pé a noite, mas com medo do Lobisomem. As vezes quando ocorre uma chuva forte ou outras coisas, a energia acaba, então a gente se lembra dos velhos tempos da escuridão e das dificuldades, e pedimos socorro para as velas e para o lampião.

 

Agora emoção mesmo, foi ligar a televisão pela primeira vez. Para se ter uma ideia é como no filme "Dois Filhos de Francisco", não tem como melhor explicar ou retratar. Para quem nunca teve uma lâmpada dentro de casa não pode imaginar o que é ter a energia elétrica depois dos cinquenta anos. Para quem é da cidade grande e nasceu com a luz dentro de casa, tudo é normal, tão normal como o ar que respira todos os dias. Mas para nós não! Na primeira noite e durante as próximas, nós ficávamos acendendo e apagando a luz. E dando gargalhadas. Ficávamos maravilhados. Era difícil nas semanas seguintes simplesmente querer aposentar nossos velhos companheiros de outrora, como a vela e o candeeiro que iluminaram nossas vidas por décadas. Na primeira noite fomos dormir muito tarde, queríamos aproveitar a claridade da lâmpada. Nossa primeira televisão foi comprada usada muito barato de uma senhora de Brasília, ainda de tubo, muito grande e pesada e era colorida e isso a dez anos atrás. Essa televisão durou muitos anos e acabou queimando. Com o tempo aprendemos a economizar o consumo desse sonho tão desejado, hoje pagamos em média de energia cinquenta reais. Já veio a contar zerada, e com poucos reais. 

 

Depois eu e meu irmão estávamos em Brasília e compramos uma de tela plana em promoção em suaves prestações mensais, como dizia o vendedor. Jamais irei esquecer quando todos nos sentamos na frente dela e ligamos pela primeira vez e saiu a imagem na nossa frente. Foi algo inexplicável e mágico. Foi uma alegria imensa ter um aparelho dentro da nossa casa. A todo momento a gente queria assistir e descobrir novas coisas. Aquilo foi uma novidade que não tem como explicar. Depois compramos outra televisão de tela plana. Já assisti alguns filmes como Homem Aranha, Batman, Titanic. Gosto muito de comédia e romance. Ver um avião de verdade na tela da televisão foi incrível, meus olhos saltaram, eu nem piscava. Meus pais ao invés de olhar para o aparelho ficavam admirando minha felicidade e realização. Meus olhos avistaram as turbinas, as rodas, leme, estabilizador, flaps, trem de pouso, cabine, poltronas, banheiro e tantas outras que nem imaginava que as pessoas tinham serviço de comida quente e gelada. 

 

Jamais imaginaria que a bordo era servido bebidas com gelo ou que havia telões em aviões maiores com filmes. Poltronas confortáveis de primeira classe e que havia um local para a tripulação dormir em voos de longa duração. E com a internet, mesmo no celular não perco nada. Sempre estou descobrindo novos vídeos para aperfeiçoar minhas construções, ou vídeos sobre aviões. A internet e a televisão abriram o mundo para o homem do campo. Hoje podemos chegar em qualquer lugar do planeta e até fora dele. Posso ver até a pegada do homem na lua. Posso aprender técnicas agrícolas, de pecuária, melhores formas de pastagem e ações contra a seca, posso até construir um sistema de aquecimento de água rudimentar com garrafas pets de reciclagem e diminuir a conta da luz ou posso ter um sistema de lâmpadas com garrafas pets sem gerar custo de energia durante o dia. São milhares de informações que tenho na palma da mão na pequena tela do meu velho celular que nem a câmera funciona mais. 

 

Era uma tradição em todas a nossa região fabricar a farinha de mandioca até alguns anos atrás. Nossa cidade não tem mais as "casas de farinha", porém cidades vizinhas ainda mantém suas fabriquetas funcionando e vencendo as dificuldades dos novos tempos. A fabricação da farinha é fantástica, o processo envolve a união das pessoas, até porque uma pessoa sozinha não irá ter sucesso na sua confecção. Nós que temos muitos familiares em toda a comunidade, combinávamos a data para a realização da farinha. Nesses dias, se reuniam em torno de dez pessoas. A primeira atividade era os homens colherem a macaxeira na roça e carregar até em casa. Para transportar era usado um jegue com duas bruacas. Bruaca eram dois caixotes que se colocava um de cada lado do jegue para encher de mandioca. Depois as mulheres passavam horas descascando mandioca manualmente com uma faca. Em seguida vem o processo de ralar o aipim através de um ralador elétrico. De forma que você enfia a macaxeira nesse ralador e ela sai do outro lado uma massa porosa líquida. 

 

A próxima etapa é colocar a massa numa prensa de madeira para extrair todo o líquido que chamamos de poeira ou água da mandioca. Uma vez extraído do líquido vai ficar somente a massa seca, sem nada de líquidos. Depois vamos torar num forno enorme e com umas pás feitas de madeiras, semelhantes a uma enxada. E de tanto mexer na massa que foi colocada no forno, para frente e para trás com muita paciência, ela acaba ficando torrada e se transformando numa farinha igual ou certamente melhor que tem nos supermercados. Esse processo todo é composto por várias etapas, porém ocorrem simultaneamente. São várias viagens com o jegue carregado de mandioca, assim na primeira descarregada das raízes as mulheres já começavam o processo de descascar. De forma que tudo acontece simultaneamente. E paralelo a tudo isso, tem que ter alguém fazendo almoço, lanches para o grupo de dez pessoas e depois lavar a louça e também dar suporte a toda movimentação que fosse necessário. Normalmente era fabricado entre dez e quinze sacos de farinha que eram divididos entre todos os que ajudaram na tarefa. Claro o dono da casa de farinha e roça de mandioca ficava com a maior parte da produção. Hoje não temos mais a casa de farinha.

 

Temos um poço com água é salobra que é alimentado pela Prefeitura, utilizamos para limpeza, banheiro e animais, antes da energia elétrica era retirada do poço através de um motor a óleo que enchia uma caixa d'água que depois alimentava as torneiras. Já para consumo utilizamos água da chuva que é captada através de calhas colocadas no telhado e conduzidas até um coador para filtrar separando as impurezas e depois despeja na cisterna, que é um poço lacrado, a água é tratada e conduzida a outras torneiras. Uma das curiosidades que as pessoas não sabem, que a não é toda água da chuva que cai no telhado que vai para a cisterna. Só começamos a armazenar a água depois que a chuva lavou bem o telhado. Isso além de evitar impurezas e sujeira dentro da cisterna, também preserva a nossa saúde. Nossa cisterna é construída com placas de concreto e tem capacidade para dezesseis mil de água armazenada. Antes de termos a cisterna bebíamos água das lagoas que também era de certa forma da chuva. 

 

Nos períodos de seca, quando a cisterna está com a água no limite de acabar o Exército Brasileiro visita toda a região com caminhões pipa para abastecer a cisterna, mas temos que transportar em baldes de vinte litros a água dos açudes para os animais, banheiro e até para aguar a plantação para não perdermos tudo. Isto porque a água da cisterna não podemos desperdiçar. Utilizamos o carinho de mão para trazer os baldes, ou no braço ou no equilíbrio da cabeça que era colocado um pano enrolado em cima dos cabelos para sentar o balde. Antes das cisternas ocorria todos os dias e várias vezes, conforme era o consumo. E quem trazia os baldes normalmente era as mulheres.  O açude mais perto era 100 metros, quando secava tinha que ir para um mais longe a quase um quilometro. E no passado chegou-se a caminhar quatro, dez, vinte quilômetros para buscar água. Levava-se os animais a outro vilarejo chamado Piragiba. Mas isso hoje não ocorre mais, porque somos socorridos com os caminhões pipa. Algumas propriedades têm ligações com canos e mangueiras dos açudes até os poços artesianos que são puxados ou por bombas elétricas ou motor a diesel ou por gravidade, quando o açude está num ponto mais alto que a casa. A pouco tempo construímos um banheiro pequeno e simples, tomamos banho com água morna, com o calor daqui da Bahia não chega nem ser quente e nem fria. Antes da construção a gente tomava banho no açude mesmo.

 

Alguns anos chegou em minhas mãos o famoso celular. Até então eu nunca havia pegado um na minha mão, sabia que existia tanto celular ou computador, mas nunca tinha chegado perto. Chegando em casa com o famoso celular qual foi minha surpresa, ele não funcionou, porque não havia rede de antenas, aprendi a ter que descobrir onde teria acesso ao alcance das antenas. Quando morrei em Brasília e Goiânia conheci pessoas que contavam que não podiam ficar longe do celular, que quando esqueciam o aparelho em casa, tinham que voltar do trabalho. Contavam que era como um vício como álcool ou cigarro. Como pode existir uma dependência assim? Por outro lado, mesmo com todas essas dificuldades que o homem do campo tem, como a inexistência de luz e de tecnologia jamais trocaria a vida de campo pela da cidade. 

 

Assim, aprendi logo a dominar a fera da tal internet e aprendi a baixar no celular as fotos de aviões de tudo que era tamanho, modelos, ângulos. Tudo que encontrava eu ia baixando. Depois ia para casa estudar foto a foto, modelo a modelo de cada avião. E com esse material foi que a qualidade do meu trabalho deu um salto significativo, as pessoas começaram a incentivar que eu tentasse vender. Mas meu trabalho ainda era muito artesanal. Eu construía o avião e já passava a tinta, sem antes realizar um trabalho de acabamento, com lixas e algum produto para fazer uma pré pintura, lixar e deixar bem lisinho para então pintar definitivamente. Na verdade, era falta de conhecimento. Tudo que aprendi foi na raça. Foi na tentativa e erro. Estamos falando de alguns anos atrás, onde o país já tinha energia elétrica e internet, mas essa realidade só chegou para nossa família a quase dez anos atrás. Posso dizer que sou um vencedor. E foi com a internet no meu celular que pude estudar melhor. Foi quando descobri que aquele aparelho de telefone que eu tinha nas minhas mãos permitia eu ter uma vasta biblioteca de informações e conteúdos com fotos, dados técnicos e o que mais eu quisesse sobre qualquer avião do planeta. 

 

E foi através do celular que entrei no mundo das vendas, antes meus clientes eram apenas da região. Agora expandi, vendo para o Brasil inteiro. Sem a internet jamais teria aprendido técnicas e sobre ferramentas próprias para a fabricação. Assisti muitos vídeos do Istael Porto, algumas vezes conversei com ele e recebi dicas muito boas. Foi então que comecei a incorporar algumas ferramentas ao meu trabalho. Pude divulgar meu trabalho na internet, aprendi a vender, cobrar, enviar e porque não dizer a fazer propaganda no Facebook, principalmente nos grupos e aviação, no Instagram. Tenho tentado juntar dinheiro para comprar um computador usado para alavancar mais minhas vendas e contatos com o mundo exterior. Tenho conversado com pessoas que também me dizem que no ponto que cheguei da qualidade das minhas maquetes precisaria mesmo do computador para facilitar as vendas na internet. Mas nossa vida de sertanejo neste momento não me permite. Optei em comprar ferramentas no passado, pois precisava delas para aperfeiçoar e fabricar meus aviões que já estão decolando devagarzinho para várias cidades brasileiras.

 

Minha paixão pela aviação estranhamente foi diferente da maioria das pessoas. Não tive a oportunidade de ver um avião de perto, seja pousando, decolando, na televisão ou é muito mesmo voando. Meu contato era no solo e eles lá em cima. Passava diariamente uma aeronave ATR entre 12 e 16 mil pés e aviões de maior porte entre 30 e 40 mil pés. Esse amor por aviões eu não sei explicar. Existem pessoas que são apaixonadas por caminhões, foram influenciados porque um familiar ou vizinho tinha um caminhão, as vezes andava de caminhão ou simplesmente porque os caminhões desde sempre passavam por nossa cidade indo e trazendo mercadorias e mudanças. E naturalmente alguns de nossos presentes de Natal eram caminhões. Mas como explicar uma paixão como a minha que eu nunca tive o mínimo contato além de poder olhar eles aqui de baixo?

 

Eu olhava eles desde pequeno, ficava observando eles passarem lá em cima, bem alto, bem pequenos, formando um risco branco no céu azul. Uma imagem que brota nas minhas lembranças dos meus tempos de criança. Não sei precisar de que idade, mas sei que era de quando eu era bem pequeno, talvez cinco ou seis anos, mas quem não lembra daquele rastro de fumaça branca que os aviões deixavam nos céus que nos causavam tanta curiosidade. Com o passar dos tempos descobri que o aeroporto mais próximo da minha casa ficava a quase 200 km e numa cidade que nunca tinha ido e que dificilmente iria. Lá meus sonhos ruíram água abaixo na cachoeira, mas não desanimei, um dia com certeza irei ficar de frente a frente com esse pássaro de metal alado.

 

Com dez anos comecei a fazer meus primeiros ensaios de projetos e maquetes. Naquela época nem imaginava que pudessem existir maquetes sendo fabricadas e comercializadas. Minha humilde intenção era apenas criar um brinquedo para passar meu tempo brincado. Então, morando na zona rural eu tinha acesso fácil a principal matéria prima, sendo a madeira que era constituída de sobras de tábuas e caibros de reformas de cercas, chiqueiros, casa, paiol, cabos quebrados de machado, enxada, pás e até de martelo. Tudo aos poucos virava avião. Meus aviões eram muitos simples. Eram meus brinquedos. Na minha infância não ganhei muitos brinquedos. Então, a gente aprende a brincar com o que tem em volta, com os animais, com um pedaço de madeira ou qualquer outra coisa que minha imaginação alcançasse.    

 

Como falei minha referência era os aviões voando lá distante no céu azul de brigadeiro. Naquela época nem imaginava quantos detalhes havia em cada avião. Se nem mesmo tinha ideia de dimensão do tamanho que era um avião, de quantas pessoas estariam a bordo. Meu mundo naquela época era só olhar ele voando ali e mais algumas informações que meus pais e outras pessoas me falavam, eles explicavam que existia um enorme local que se chamava aeroporto onde eles pousavam e que o avião transportava muitas pessoas e carga de uma cidade ou país para outro. Assim, eu construía o avião na verdade como minha imaginação. Certo ou errado, o projeto decolava. Neste sentido naquela época o avião era a fuselagem ou charuto como chamamos e as asas. Era uma cruz basicamente e a tinta que estava sobrando pelo curral e o avião estava pronto para voar e brincar.

 

Com o passar do tempo, vamos cada vez construindo mais e mais. Então vamos aperfeiçoando, melhorando e eles criando uma forma cada vez mais bonita e real. Um bom tempo depois um primo venho nos visitar e ele gostou muito dos meus aviões. Eu fiquei feliz e ao mesmo tempo interessado na sua admiração pelo meu brinquedo. Foi então que surgiu a ideia de melhorar mais ainda a qualidade dos aviões porque mais pessoas poderiam vir também a gostar. 

 

Somente tive a oportunidade de olhar de perto um avião aos vinte anos quando fui experimentar morar em Brasília, havia viajado de ônibus. Então eu avistava os aviões também voando no céu. Nunca tive a oportunidade de visitar um aeroporto grande, nem mesmo para somente olhar os aviões. Isto porque os aeroportos são longes das cidades e de certa forma de difícil acesso financeiro. Mas era uma enorme alegria olhar eles bem de perto voando sobre minha cabeça, dali eu podia visualizar detalhes até então desconhecidos. Foi uma emoção sensacional ter visto pela primeira vez o enorme pássaro de metal enorme sobre a minha cabeça, foi muito rápido, quando percebi, já tinha passado. E como sou muito tímido, essa minha emoção de felicidade eu procurava conter, pois esta novidade já para as demais pessoas era algo muito comum, pois nasceram e cresceram com os aviões todos os dias decolando e pousando e ninguém olha. 

 

E no meu caso, eu acabava discretamente degustando aquela sensação maravilhosa e mais linda do mundo. Acabei superando minha timidez e quando escutava o ruído das suas turbinas, estivesse onde eu estivesse, com quem estivesse, mesmo na rua, no meio de uma multidão eu parava tudo para procurar e admirar minha paixão voadora.  O local que eu tinha maior privilégio de visualização era no Riacho Fundo, quando as aeronaves já vinham pousando na direção da cabeceira da pista e o melhor local para assistir era quando eu estava em cima da passarela. Nunca entrei num avião pequeno ou grande. Claro meu sonho é um dia entrar num avião comercial, quem sabe fazer um voo. Mas só entrar já realizaria meu sonho. Poder caminhar na passarela dos passageiros, sentar-se no assento do piloto isso seria a maior realização da minha vida, observar todos aqueles botões que o comandante tem que controlar. Por enquanto isso é um sonho. Mas quem não sonha não existe.

 

Visitei aeroclubes em pequenas cidades, isto sempre foi uma realização. Certa vez estive muito próximo de uma aeronave militar em exposição em Brasília. Certa vez passando de ônibus coletivo próximo ao aeroporto avistei um avião enorme da Gol manobrando na pista para se preparar para decolar. Em outra ocasião na cidade de Guaratinga vi um avião da Transbrasil abandonado, essa cena fez eu pensar de quantas pessoas ele deve ter transportado durante anos. Quantos sonhos realizou. Quanta luas de mel concretizou. Quantas tristezas vieram com o fim da Transbrasil, quantas famílias de funcionários foram demitidas do dia para a noite, quantas esperanças e expectativas acabaram num piscar de dedos.  

 

Muitas pessoas que conhecem meu trabalho imaginam e costumeiramente perguntam se meu sonho é ser piloto ou comissário. Explico que não, que nunca tive essa vontade ou desejo. Pelo contrário, ir embora de nossa modesta propriedade rural, seria o mesmo que tirar um peixe do mar e colocar num aquário, perderia a graça da vida. Sou feliz e realizado participando da aviação da minha forma, construindo minhas maquetes que cada vez mais vão evoluindo na qualidade e apresentação. Se sei tudo? Claro que não, estou muito longe desse patamar. Mas a minha verdade está relacionada que construo os aviões por amor e não por dinheiro, apesar de muitas pessoas não darem o valor devido. Eu construo artesanalmente cada modelo. É uma peça que surge de um pedaço de madeira que foi reciclado. Que levaram horas e dias para chegar ao ponto que chegou. Que por traz daquele avião, houve emoções na sua construção. Eu analiso cada detalhe. Cada parte do avião. Começo a esculpir de um pedaço de madeira bruto, minhas principais ferramentas são minhas mãos e um facão velho. E vou cortando e desenhando ele com o facão, quem olha ele depois de pronto não acredita a forma rudimentar que uso na sua construção, pois entrego um avião com pequenos acabamentos.

 

A próxima etapa é construir cada peça do avião separadamente e cobrir todo com uma massa acrílica, assim são tapados todos os buracos existentes. Quando a massa já estiver bem seca, vou lixa e acertar todas as irregularidades. Estando certo, passo prime automotivo. Depois vamos para uma nova etapa de lixar o avião com uma lixa d'água, é neste momento que o avião fica totalmente liso e uniforme. Para então partir para a pintura definitivamente com tinta sintética que vai durar pouco mais de sessenta anos. Cubro ainda com um verniz automotivo para dar aquela impressão no acabamento. O processo não é rápido, é artesanal, tenho minhas limitações de ferramentas, equipamentos e porque não dizer, também de conhecimento. Mas quando termino uma maquete e comparo com as primeiras, vejo como evolui meu trabalho, nunca tive aulas, nem mesmo de marcenaria. Tudo que sei, aprendi correndo atrás. Por outro lado, eu tive que ser apaixonado por um meio de transporte tão difícil e com tantos detalhes complexos. Se fosse um caminhão seria muito, mas fácil sua construção, onde basicamente é uma caixa quadrada com rodas. Para dificultar mais minha vida, descobri a tal palavra "escala", que define as medidas de cada avião. Aprendi que existe até uma régua muito prática de se trabalhar que tem converte as medidas tradicionais de centímetros em escala.

 

Um dos meus sonhos é ainda ter a possibilidade de adquirir um computador e uma impressora, mesmo que usados. Mas isso depende das minhas vendas, que ainda são muito tímidas. A vida na roça para o pequeno agricultor não proporciona ganhos financeiros, vivemos o nosso dia a dia. Sem miséria, mas também sem luxos. É uma vida humilde, feliz e gratificante. Sei que levará um longo tempo para ter esses equipamentos. Enquanto isso vou aprendendo com meu velho celular. Mas para quem não tinha luz elétrica dentro de casa até alguns anos atrás, para quem aprendeu a construir aviões olhando-os lá no céu do tamanho de uma pedrinha, sem ter nunca visto um avião em lugar nenhum, nem mesmo em sonhos ou em um pedaço de papel, chegar aonde eu cheguei. Com a impressora poderei eu mesmo fabricar os adesivos que hoje eu encomendo de fabricantes de outros estados, o que também além de gerar custo, proporciona perda de tempo. Visto que preciso aguardar os adesivos chegarem de Curitiba ou São Paulo e depois tenho que encontrar para buscar na agência dos correios. Ou seja, aqui tudo é diferente de uma grande cidade. A tecnologia além de possibilitar uma forma melhor e mais inteligente para minha integração com o mundo do conhecimento que seu abriu na porta do nosso rancho rural com o advento do celular, precisa agora resolver outros problemas para escoar minha produção. Sei também que vou precisar montar um atelier, pois cada vez mais meu atual espaço fica menor, conforme o volume de pedidos vem aumentando e isso atualmente é a minha maior dificuldade, preciso ter um ambiente maior e exclusivo para trabalhar. 

 

Realizo todo o meu trabalho embaixo de duas árvores, uma goiabeira e uma amoreira. Adaptei uma mesa com material disponível que tinha e com uma cadeira passo meu dia construindo as minhas relíquias.  Assim quando bate uma vontade, aproveito e subo no pé para comer uma fruta natural e sem veneno direto do pé. No inverno trabalho muito junto ao sol, porque as folhas das árvores caíram, mas no verão sempre a sombra e água fresca. Quando chove é uma correria para guardar as ferramentas e as próprias maquetes. Além que o local não é próprio para pintura por ser zona rural tem muita poeira e não tenho estufa. Assim para realizar a pintura tenho que realizar em um dia sem vento e com sol forte, caso contrário haverá problemas na qualidade final do produto e deverei refazer a pintura e tudo isso é custo e tempo perdido e assim para as outras etapas. Sei que preciso trabalhar em um ambiente fechado, com luz artificial, com ferramentas específicas como um torno, lixadeira e também utilizando equipamentos de proteção individual, mas felizmente tive pequenos e raros acidentes pessoais, mais um ou outro relacionado com corte nas mãos, especificamente nos dedos. É necessário fazer tudo com muita atenção e sem pressa com as poucas ferramentas que tenho improvisadas.

 

A primeira ferramenta que utilizo para fabricar uma maquete que é algo tão frágil, inacreditavelmente é um machado. Com o machado muitas vezes início todo o processo de fabricação. Pois como não tenho uma moto serra tenho que usar os recursos que tenho ao meu alcance. E para cortar e derrubar uma árvore é no braço mesmo, com um bom machado afiado e com a ajuda de um facão. Sempre tive enorme preocupação com a preservação do meio ambiente. Desta forma, nunca usei para construir minhas maquetes uma árvore viva. Sempre procurei reciclar de muito material que existe ao nosso redor como madeiras já usadas de sobras de construções ou construções desmanchadas. Utilizo as espécies de madeiras umburana e o cedro. Nunca fui ao mato e cortei uma árvore verde. Quando tenho que procurar no mato, só corto árvore morta, já seca. Naturalmente as árvores com o passar dos anos envelhecem e morrem, outras com a ação das chuvas quebram e caem. 

 

Então, tenho que dedicar sempre um tempo para procurar madeira seca na região e como os meus produtos são baratos não compensa comprar material na madeireira. Assim, derrubo a árvore seca com o machado, corto todos os galhos com o facão, transporto até em casa no ombro os caibros. Em casa passo ela na plaina elétrica atualmente que consegui comprar com muito sacrifício. Antes era na plaina manual mesmo, na força. Próximo passo é levar a peça de madeira para a serra de bancada que também já consegui adquirir vendendo meus aviões com o tempo. Com a peça de madeira quadrada, eu vou desenhar o modelo de avião na madeira. E com muita calma vou com o auxílio de estilete, faca, facão cortando a madeira e construindo o avião. E vou acertando os acabamentos com a lixa manual e com a esmerilhadeira e assim construo a fuselagem. 

 

A próxima parte a ser construída é a cauda, onde procedo basicamente da mesma forma. Com o desenho na madeira, vou utilizando das mesmas ferramentas manualmente até conseguir o formato desejado. E sempre usando muito da ajuda do estilete e da lixa manualmente. E assim também ocorre com as asas. As turbinas dão muito trabalho pela razão de eu não ter um torno, então eu improvisei a construção eu mesmo de um torninho artesanal. Quem não inventa não sai da escola. Onde peguei um motor de máquina de lavar roupa e cones de bicicleta, que na verdade era o eixo da bicicleta que serei. E assim, eu vou torneando a madeira até ficar no formato da turbina. Então, com as brocas eu furo a turbina, que algumas vezes elas racham, em razão da forma artesanal de todo o processo. E então início a construção artesanal de cada parte interna da turbina com o estilete e com a lixa, com muita atenção e calma, porque qualquer desatenção pode levar ao descarte a peça. Com a tesoura vou construindo a parte interna de metal das turbinas. Por isso que eu digo, tenho que gostar muito do que eu faço para não ter abandonado essa minha paixão.   

 

Como meu atelier é nas sobras de uma goiabeira e de uma amoreira eu não posso trabalhar a noite e em dias de chuva. Isto restringe meus horários de trabalho, tenho que sempre esperar o dia amanhecer e não posso passar do pôr do sol. O fator das ferramentas inadequadas é outro problema muito relevante no meu trabalho. Isto porque acarreta perdas de peças durante o procedimento de fabricação, como uma asa quebrar ou um motor rachar. É muito raro durante a construção de um avião que em média eu levo dez dias eu não ter que fabricar duas vezes a mesma peça ou algo não dar errado. Porque é um trabalho totalmente manual realizado praticamente com as mãos, precisa de muita atenção. Sejamos práticos também financeiramente é inviável fabricar uma maquete a cada 10 dias. Assim eu fabrico duas maquetes por mês artesanalmente. Tenho todas as condições de evoluir, mas ao mesmo tempo todas as perspectivas para parar de trabalhar e focar só na agricultura do feijão que é mais garantido. Porque uma enxada, um chapéu e um par de botas são muito mais baratos que as ferramentas e o computador. É triste, mas também sei seu em algum momento terei que tomar essa decisão por qual caminho seguir.

 

Quando recebo uma encomenda de um novo modelo, a primeira coisa é fazer uma pesquisa no meu celular velho. Procuro estudar o máximo de informações e fotos. Estudo cada detalhe do avião. E já vou descobrindo as partes que terei maior e menor dificuldade e facilidade de construir. Defino com o cliente quais acabamentos o avião terá que ter, como rodas, trem de pouso fixo ou móveis, detalhes das janelas, das portas. Se tiver trem de pouso, eu vou fazer de madeira também com um pequeno rolamento dentro da rodinha que possibilite que as rodas rodem bonitinho e faço um buraco na fuselagem para as rodas ficarem encaixadas. Combinamos depois o tamanho do avião e com base nisso tudo finalmente entrego o orçamento com o preço e a data estimada da entrega. 

 

Sou um sonhador e acho importante sonhar, ter perspectiva de futuro, penso um dia ter uma loja física, sou consciente que na minha região não tenho público suficiente para manter uma loja. Então, a solução é partir para uma loja virtual, o qual precisaria de um estoque de produtos, com vários modelos de várias empresas nacionais e internacionais. Mas para tudo tem seu tempo e seu momento. Na terra tem seu tempo de plantar e seu templo de colher. E assim na vida também. Já andei muito, mas muito mesmo. Devagar eu vou caminhando. Sei que meu salto profissional está muito vinculado a compra do computador, da impressora e de montar meu atelier de quatro paredes com melhores ferramentas.  

 

Sou reconhecido por toda minha família, meus amigos, meus conhecidos. Todos elogiam meu trabalho. Muitos levaram um tempo para acreditar que realmente foram construídos por mim. Ficam impressionados e apaixonados pelas maquetes. Com tudo isso, já influenciei meus sobrinhos pela aviação, porque quando escutam o ruído de um avião, já saem correndo e gritando que está passando um avião no céu. De forma geral todos ficam impressionados e acham difícil uma maquete ter sido construída artesanalmente por uma pessoa. Acreditam que tenha sido construída por uma máquina e que eu tenha comprado. Eu vendo sempre de Domingo a Sexta nas redes sociais. No Sábado eu não trabalho. 

 

Durante minha trajetória de construtor de aviões ainda não cheguei a mil. Vamos imaginar algo em torno de 500. Opa então fiquei rico!!!!! Que nada!!! Nessa contagem estão os de infância, muitos que fazia pra brincar e outros que vendia por apenas cinco reais. E era barato cinco reais? Não sei dizer, porque também não tinham a qualidade que tem hoje, totalmente diferente dos que fabrico hoje. Naquela época eu conseguia construir um avião em horas. Hoje levo duas semanas. O primeiro que vendi foi para meu vizinho tinha rodas e era muito rústico, muito semelhante a um King de 15 cm. O Rogério chegou em sua casa feliz da vida e mostrou para seu tio. Ficaram observando os detalhes e comentaram que as rodas eram de material reciclado de isqueiro, eu usava a roda de metal do isqueiro nos meus projetos. Depois o tio pegou e arremessou com toda força para o céu. Não deu outra, ele subiu bem alto, mas quando desceu, foi um míssil direto ao chão e espatifou tudo. Não sei o que ele pensou, que o avião iria pousar sozinho e tal. Cada uma. Por fim, colaram as peças e foi possível recuperar. Depois ele comprou outros aviões e virou meu cliente fiel. Este caso marcou a minha primeira venda. 

 

A primeira encomenda que recebi e despachei foi um KLM e enviei para o amigo Adão da cidade de Lagoa Santa, para enviar tive que pedir para um conhecido ir a 170 km para poder despachar nos Correios na época. Também foi vendida por um valor modesto, era uma maquete rústica, feita tudo artesanalmente, as letras escritas a mão. Lembro que o frete foi judiado, eu gastei mais com o frete e com as despesas em geral. Se tivesse comprado material para fabricar teria tido prejuízo, mas como todo o material era reciclado, consegui amenizar meu trabalho manual e incentivar para continuar. Ainda para minha tristeza o produto chegou com a turbina quebrada, também tive minha responsabilidade pela minha inexperiência não acondicionei numa caixa própria para esse fim. Imaginava que conforme enviava chegaria lá. 

 

Felizmente o Adão teve sucesso na empreitada do conserto. Essa encomenda foi quem abriu as portas para o mercado brasileiro, foi quem possibilitou eu conhecer como funcionava as relações de consumo, pedido, pagamento, preço, cronograma, qualidade, linha de produção. Coisas que eu precisava começar a pensar e estudar se realmente eu quisesse entrar nesse negócio. O público da minha região era diferente, era pequeno, sem exigências, considerava minhas maquetes apenas como um brinquedo supérfluo, sem necessidade e então tinha que ser muito barato. Já o público brasileiro muito exigente na qualidade, nos detalhes, na perfeição, nos prazos de entrega, para eles uma maquete era algo muito especial, as vezes representava uma vida de trabalho e consequentemente sabiam que tinha muito valor por trás dela.

 

Já construí modelos da Gol, Varig, Tam, Latam, Transbrasil, Emirates, KLM, Embraer. Cujos modelos mais variados possíveis como Seneca, Tucano, Airbus, Boeing, Temeia, Biplano, Gripen, Cessna, modelos agrícolas, militares, Bandeirante, Avro, fiz uma réplica do avião presidencial. Não tenho um modelo ou empresa aérea que tenha uma demanda maior. É muito variado, modelos antigos e atuais. Talvez o que tenha mais vendido seja Piper PA 46. Muitos são personalizados com o nome de uma determinada pessoa ou de empresa. Alguns clientes são pilotos e querem eternizar a aeronave que pilotam em sua casa. Tenho a felicidade de já ter vendido para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, Lagoa Santa, São Miguel do Oeste, Anastácio, Barreiras, Feira de Santana e outras cidades. Tenho conhecimento que um avião foi parar em outro país, mas não sei para qual. O modelo mais difícil que construí foi o Airbus A380, tem uma curvatura na asa e muitos outros detalhes. Acredito que ainda irei me deparar com outros modelos complicados, como o Antonov Russo e o mais fácil foi o Tucano da Embraer. 

 

É indescritível a alegria que tenho quando entrego pessoalmente uma de minhas obras ao ver a felicidade do comprador. Meus olhos ficam brilhantes, pois normalmente eles fazem vários elogios, ficam muito alegres e me agradecem muito. Já houve vários clientes que me pagaram, mas me agradeceram de tal forma que a impressão era que eu tinha presenteado eles com a maquete. Eu costumo dizer que se eu fabricasse por dinheiro provavelmente já teria parado, pois em razão de falta de condições próprias dá muito trabalho e o mercado muitas vezes não valoriza o nosso talento. Tenho recebido encomendas de várias cidades do Brasil, e isto é minha maior realização. É uma conquista pessoal. Sem treinamento de qualificação, sem nada e agora estar recebendo encomendas do Brasil todo. Jamais imaginaria algo assim. Infelizmente esse trabalho de artesão ainda não permite o meu sustento financeiro. Mas tenho a convicção que dele poderei vir a ter minha independência financeira no futuro. E gostaria muito que ela seja minha opção de trabalho e para isso preciso de mais vendas, muito mais vendas, profissionalizar cada vez mais meus trabalhos, construir mais maquetes em muito menos tempo.

 

Na nossa pequena propriedade rural eu divido meu tempo construindo meus aviões e também nos afazeres da roça. Como colher os ovos, separar as vacas dos bezerros para no dia seguinte ser possível tirar o leite, tenho que caçar os ninhos novos das galinhas no mato, ajudar na plantação e na lida com os animais, entrei muitos outros afazeres. Porém é na época da seca que tem meu maior envolvimento com a propriedade. Tenho que encurtar todas as outras atividades pessoais como a construção de maquetes, para se envolver com o cuidar do comer e beber dos animais. Você precisa dar água todos os dias aos animais. Não é apenas o gado chegar e beber. Você tem que ir atrás do gado com a água e isso gasta tempo.  Acordamos normalmente as cinco horas da manhã. Nosso café e as demais refeições são formadas por uma dieta forte e saudável, com muitos produtos da própria propriedade. Plantamos milho que é utilizado para consumo nosso através de bolo e pão de milho, pamonha, milho cozido ou assado, mingau ou se rala para fazer o cuscuz. Também aproveitamos o milho para a ração animal, como a soja também. Cultivamos também abóbora, melancia, cabaça doce e mandioca para consumo próprio. Houve uma época que se cultiva até arroz, mas hoje não é mais possível porque a chuva está muita escassa. Estamos também deixando de plantar feijão em razão da chuva escassa. A mandioca é uma das nossas principais culturas onde fazemos farinha, cozida, eu como até crua, serve para alimentar os animais, onde corta em pedaços, passa na forrageira e deixa secar para então servir como ração animal. 

 

Temos criação de bovinos de corte, cavalos, uma mula, um jegue, cachorros e galinhas. Na região também criam-se animais como caprinos, ovinos, suínos, peru, patos e bode. Criamos dezenas de galinhas soltas, elas dormem em cima de cercas e nas árvores e passam o dia ciscando tudo que encontram pela frente. Desta forma também são predadores naturais de pequenos animais indesejáveis, como baratas e escorpiões. Nós construímos ninhos para eles botarem e chocarem seus ovos perto da propriedade. Mas sempre tem algumas que são revoltadas ou aventureiras que preferem fazer seus próprios ninhos no mato, mas correndo do risco dos ovos ou delas mesmas serem devoradas pelo "gato do mato" ou pela raposa. E ainda tem as cobras e os gaviões que num piscar de olhos levam alguns pintos por ano. O gavião é muito triste, as vezes você está num afazer e de repente escuta um pinto piando voando, então você já sabe, lá foi o pinto nas garras do gavião para nunca mais voltar.  Os ovos são para consumo próprio. E trabalhamos com as sub existências, como o leite que tiramos para fazer artesanalmente o requeijão, o queijo, o bolo e o pão para consumo próprio. O cavalo é utilizado para o manejo do gado no dia a dia, como as vacas são criadas soltas no pasto, precisamos do cavalo para nos locomover para buscar os animais para tirar o leite, reunir os animais para vacinar, curar algum bezerro, para reunir para vender, trocar o gado de invernada ou de roça, para locomover ele para outra região em época de seca. A mula e o jumento têm a mesma serventia e também puxar madeira.

 

Os supermercados são pequenos, bem menores daqueles das cidades grandes. Nem sempre você consegue encontrar tudo. As vezes tem que comprar algumas coisas num e outras em outro. Não existe a diversificação de ofertas e marcas como constatei nas grandes redes das cidades populosas. A disponibilização dos produtos estão relacionados as necessidades básicas. Claro que aquilo que tem pouca demanda, eles não têm a venda. A cidade mais próxima que tem um supermercado de rede é Barreiras que tem o Atacadão e tem um projeto de construção de um Shopping Center. Hoje o vilarejo já tem açougues que vende carne de frigoríficos e com todo o controle e exigências sanitárias e de temperatura. Mas no passado era comum nas feiras de rua o feirante abater e vender o animal na própria feira, era muito cruel assistir aquele momento. As pessoas estavam caminhando na feira e o feirante abatia o animal. A nossa região não tem os antigos armazéns gerais. Toda sexta feira em nossa porta passa um caminhão vendendo tudo que é verdura, legumes e frutas. Tem um outro rapaz, o Vitor, que passa vendendo rapadura, cachaça, farinha, tapioca, tijolo de gergelim. Passam também vendedores de panelas, roupas, lençol, rede, cadeira, travesseiros, canecos, copos, sal e vitamina para gado e todos os mais variados produtos. Como também passam os compradores de ferro velho. Tem também os ambulantes que passam consertando panelas, fogão, geladeira ou qualquer outro "trem". Na verdade, só não vendem queijo e leite porque isso todo mundo já tem em casa, fora isso aparece de tudo para vender.

 

Para cozinhar utilizamos os fogões a lenha e a gás. Mas estamos deixando de usar o fogão a gás em razão do preço do botijão. Está ficando inviável pagar o valor cobrado. E para o fogão a lenha não precisamos comprar lenha e deixaremos o gás para emergências e comidas rápidas como o café da manhã. Para nós da vida rural que crescemos entre a saia da mãe e o fogão, voltar a utilizar somente o fogão a lenha dentro de casa não é nenhuma revolução na cozinha. É só manter a tradição de trazer a lenha seca do mato e cortada e sempre deixar a cozinha alimentada. Para nós a fumaça do fogão a lenha é o aroma da vida do homem do campo. Não existem dificuldades para acender o fogo. E a comida feita na lenha é muito mais saborosa. Aliás eu aprendi a cozinhar com minha mãe e gosto de praticar, minhas preferências de fazer é o arroz, feijão, ovo frito ou cozido e o cuscuz. Tendo isso na mesa, estou tendo uma refeição dos deuses. E para completar, temos muitas frutas como laranja, mexerica, lima, caju, jaca, acerola, araticum, maracujá, manga, goiaba, amoras, umbu-cajá, seriguela, coco, melancia, umbu, caju, mandacaru e outras frutas. Curiosamente temos apenas um pé de bananeira, e nem sei por quê.

 

O maior problema que toda a nossa região está passando nos últimos anos é a falta ou escassez de chuvas. A maioria das pessoas já deixaram de cultivar arroz e feijão e aos poucos estamos deixando também de plantar o milho. Preparar a terra e ter uma boa colheita hoje é um sonho. A maioria não tem um bom resultado. São poucas pessoas que tem hoje esse privilégio. A colheita do milho é manual, aonde se vai na roça com um cesto ou saco e arranca-se a espiga e em seguida quebra-se o pé do milho na metade da sua altura. Quebra-se o pé do milho para fazer a marcação que já foi colhido as espigas, este simples fato agiliza todo o processo da colheita, porque o agricultor colhe, quebra e vai para o próximo pé de milho, sem precisar procurar quais pés ainda tem espigas a serem colhidas, assim evita-se perda de milho não colhido e também consequentemente ao quebrar facilita para colher as espigas mais altas. O restante da palhada se faz silagem para o gado, alguns utilizam a própria espiga na silagem para os animais. Então, uma alternativa é cultivar o "sorvo" que tem alta resistência a estiagem e pode ser fabricado uma farinha para consumo humano e principalmente para ração animal. Muitas pessoas ainda teimam em plantar o feijão e o milho, e com o andar da carruagem acompanham mais uma frustrada colheita. Outra alternativa conta a seca é utilizar as lavouras para plantar pasto para os animais. 

 

Deixamos de plantar milho, depois de sucessivas perdas para a seca. É triste plantar e não colher nem mesmo para colher as sementes plantadas. Acordar todos os dias durantes dias e semanas e a primeira coisa é olhar o céu na esperança de uma chuva, e dia após dia nada. É de cortar e amargurar os corações de lágrimas. Somente quem realmente passa por isso e precisa da chuva para sobreviver que tem condições de compreender a profundidade de nossas dificuldades e angústia. É realmente muito triste a destruição que a seca causa nas propriedades e nas vidas de todos nós, na agricultura e na pecuária do pequeno agricultor que não tem dinheiro. Você diariamente assiste um filme em câmera lenta, onde o ator principal é a seca que a cada dia vai engolindo tudo que vê pela frente. O pasto acaba e não refloresce, os açudes e lagoas secam, você vê os animais literalmente passando fome e sede e não pode fazer muita coisa. Porque não podemos comprar ração para matar a fome dos animais em razão do preço alto, compra-se então o feno seco que também não é barato, mas mais em conta, apesar de não ter a mesma qualidade alimentar que a ração. O gado começa a emagrecer, ficando esquelético, como na Etiópia, não consegue mais caminhar, onde temos que erguer ele através de "pancas", que são dois varões que colocamos embaixo da vaca ou do boi e com seis homens é erguido o animal. 

 

Muitas vezes o animal mesmo assim não mais consegue ficar em pé. Então, provavelmente este animal não irá conseguir sobreviver. Isso é triste, muito triste. Essa a realidade de nossa região e de muitas outras do sertão nordestino. Estamos entrando agora no pior momento da seca, o gado está começando a caminhar entre seis e dez quilômetros para encontrar água. Não sabemos ainda se esse ano iremos utilizar as "pancas", esperamos que não, mas precisamos de chuvas nas próximas semanas, os açudes e lagoas próximas já secaram e todo o pasto na propriedade já acabou. A solução para a seca é a irrigação da água do Rio São Francisco, infelizmente somos como a maioria do vilarejo que não tem condições de irrigar a propriedade. Nossos animais basicamente se alimentam do capim e do pasto.  Já tivemos uma horta com diversas culturas de verduras, legumes e chás, deixamos de ter em razão de uma seca que foi avassaladora. Mas com a volta das chuvas já definimos que iremos fazer um cercado e termos novamente uma hortinha com pimentão, pimenta, chuchu, tomate, repolho, salsa, coentro, repolho, alface, cenoura, cebola, cebolinha, rabanete e outras tantas coisas. Nossas vacas não são leiteiras apuradas, então a produção de leite não é alta e também o gado fica solto e somente podemos fazer a ordenha nos dias que as vacas chegam próximas a casa, a ordenha é manual com as mãos. Fazemos mingau de milho, bolo de mandioca. Nos finais de semana o tradicional e comer uma galinha caipira. Tudo é muito simples. Mas temos uma vida saudável, sem preocupações. Nossa comunidade oitenta por cento é família, seja irmão, sobrinho, primo, tio, avô. 

 

Não temos automóvel, eu e meu pai temos uma moto cada um. A moto é econômica pelo seu tamanho e peso gasta pouco combustível, é rápida e passa em qualquer buraquinho. Por outro lado, o fato de não termos carro nos obriga a pagar para alguém transportar mercadorias mais volumosas ou pesadas como sacos de milho para as galinhas ou realizamos duas viagens de moto para as compras do mês. Então temos pensado em fazer uma economia para comprar um automóvel usado. Por outro lado, chegamos a ter carro de bois, isso quando eu era muito pequeno, muito pouco me lembro disso. Tivemos também charrete e a carroça. Onde a charrete e a carroça têm o mesmo uso, apenas a diferença são os tipos de pneus. Existem apenas uns restos mortais da carroça num canto que meu irmão planeja a alguns anos a recuperar, mas o projeto não sai do lugar, é apenas um sonho por enquanto. As mulas e os jumentos são usados para arrastar os troncos e galhos pesados de árvores secas distantes até a casa para lenha através de uma escada instalado no animal ou com uma zorra, que é uma espécie de gancho para estilingue no caso dos bois. E desta forma era arrastado a madeira para cercar uma roça ou uma divisa. No passado meu pai utilizava uma junta de bois presos na canga de madeira para puxar o arado e assim preparar todo o terreno para o plantio do milho e do feijão. Hoje pagamos um tratorista que de forma mais rápida e eficaz realiza todo o trabalho de virar a terra.

 

Aqui é um lugar que você encontra a felicidade todos os dias. A nossa vida aqui é fantástica, você passa meses olhando para uma árvore que diria que está morta. E antes mesmo de cair os primeiros pingos de chuva ela começa a brotar, e a ressureição da vida da flora. Você vê cada flor do campo desabrochar todos os dias. Você observa cada galho de árvore de umbuzeiro, joá, baraúna começa a surgir suas folhas novas e de repente a morte despertar para a vida uma árvore repleta de galhos verdes e revigorantes. Você poder tocar a mão na grama e ver ele mudar de cor. Caminhar no meio do pasto e sentir o cheiro das flores e do mato. Ouvir os ruídos da noite, dos grilos, das galinhas, dos patos, das vacas, dos cavalos. Isso tudo não tem preço. Eu tenho paixão por tudo isso. Aqui é meu lar e minha vida. Aqui é um lugar que eu tenho prazer de encher olhos e dizer do fundo do coração "Eu amo de verdade meu cantinho no Muquem do São Francisco no oeste do Estado da Bahia." 

 

Por outro lado, muitos amigos e familiares foram embora para grandes cidades. Quiseram fugir do nosso lema "Trabalhar muito e ganhar muito pouco". Alguns em busca de uma vida melhor, outros atrás de emprego ou estudo. Alguns nunca gostaram mesmo da vida rural e sempre sonharam no dia que iriam embora. Poucos retornaram como eu. Acho que só eu retornei mesmo. Nossa região não tem muitas opções de trabalho. E a prefeitura, muitos aposentados, agricultura, pecuária e alguns comércios familiares pequenos. Muitos voaram para São Paulo, Brasília, Goiânia, Jatai, Rio Verde, Luís Eduardo Magalhães, Barreiras. Eu imagino que a metade das pessoas de minha idade foram embora. E volte e meia encontro um ou outro que retorna para visitar seus pais, e sempre comentam que não existe lugar melhor que aqui para morar. 

 

Gosto muito de pedalar com a bicicleta. Nos finais de semana um jogo de futebol com os amigos, a nossa cidade tem dois campos públicos e são realizados campeonatos que movimenta todos os apaixonados pelo futebol. Pescar é outra atividade muito boa. Inacreditavelmente nunca pude pescar no rio São Francisco, o famoso Velho Chico, que é o maior rio do Nordeste, onde atravessa mais de quinhentas cidades trazendo água, comida e transporte para seus povos. Certa vez num passeio da escola tive o prazer de tomar um banho no rio São Francisco. Mas já passei muitas vezes na ponte da cidade de Ibotiramã e pude ver seus longos braços de vida. Nunca vi o mar salgado. Dizem que é uma imensidão de água. Salvador fica a 700 kms. Costumo pescar em lagoas e açudes dos vizinhos, não com muita frequência, porque primeiro não são todos os açudes que têm peixes e nos que tem a quantidade é pequena. Eu acho que o Governo poderia desenvolver um projeto de doação alevinos para toda a região, seria mais uma fonte de alimentação para todas as famílias. A nossa propriedade tem um açude, mas só tem peixe pequeno. Tudo que pescamos é para consumo próprio. 

 

Nunca tive a oportunidade de ir ao cinema. Mas já vi na televisão mais ou menos como é. Um local enorme, repleto de poltronas, as pessoas assistem o filme projetado numa imagem enorme de grande na parede. E como no circo, comem pipoca e refrigerante. O que faz me lembrar a alguns anos atrás quando não havia energia elétrica em canto nenhum da nossa localidade, apenas na área central da comunidade para atender a prefeitura, posto de saúde e o colégio municipal. Então alguém doou uma televisão que ficava ligada das 18:00 às 22:00 horas e estava colocada na janela do prédio virada para a rua. Assim qualquer pessoa podia assistir televisão da rua, inclusive sábados e domingos e em noites especiais, quando por exemplo tinha jogos da seleção brasileira ou fim de uma novela lotava de gente. E o povo levava cada um o seu banquinho e assistia novelas, jornal, jogos e diversos programa de entretenimento, a seção terminava normalmente as dez horas da noite e eram todos os dias da semana e da minha casa eram no máximo dois quilômetros. Essa televisão era a bateria e placa solar. O local era sem lâmpadas. Normalmente variava a noite entre dez e vinte pessoas. Então quando apagava a televisão ficava uma escuridão. As pessoas levavam lanternas para caminhar. Eu lembro que muitas e muitas quando eu era pequeno eu voltava "cagando de medo" na escuridão da estrada de chão se iluminação por causa do Lobisomem, e se fosse noite de lua cheia pior ainda. E alguns levavam balas para comer e só. E para piorar as coisas, se fosse noite de lua cheia e sexta feira 13. Eu ficava mais preocupado com o Lobisomem do que pisar numa cobra na escuridão e ser picado, porque nós não levávamos lanterna. Outros iam de bicicleta e até de cavalo. Antes de desligarem a televisão sempre alguém lembrava do Lobisomem que fazia tempo que não aparecia ou que a alguns dias tinha atacado uma vaca ou uma ovelha na região.

 

Sempre ouvia falar muito do shopping center, um local faraônico, aglomerando dezenas e dezenas de todos os mais variados tipos de lojas, como de roupas, calçados, celulares, computadores, móveis, máquinas para casa, esportes, óticas de óculos, joalherias, salão de cabelereiros, cinemas, restaurantes, supermercado, farmácia, bancos, brinquedos, uma imensidão de lojas e lojas. Fui três vezes em locais diferentes. O primeiro foi em Brasília de Águas Lindas, fui com o meu amigo de automóvel, e honestamente nem saberia entrar nele. Primeiro porque demos várias voltas até poder entrar, depois tivemos que parar numa fila de carro que tinha uma cancela que subia e descia para cada carro entrar um de cada vez, até pensei: "Porque já não entra todos de uma vez só?" Quando chegou nossa vez, meu amigo abriu o vidro apertou um botão e pegou um papelzinho e nisso a cancela ergueu sozinha. E fiquei pensando "Mas como ela ergueu sozinha!!" Nunca havia visto algo tão exuberante na vida. Corredores enormes. Altura do "pé direito" nem sei de quantos metros. O piso de mármore lindo. O banheiro enorme de grande. Bancos em toda parte para o conforto das pessoas. Muitas pessoas, mas muitas pessoas indo e vindo. Muitas com sacolas de compras. Até cachorros eu vi lá dentro passeando. 

 

Agora o momento mais emocionante e porque não ser sincero, foi num outro shopping em Brasília que estava com o amigo Walter e que tivemos que ir para outro andar. Estávamos caminhando e me dei de cara com uma escada diferente. Observando melhor percebi que as pessoas normalmente pisavam no degrau e a escada as subia sozinhas. As pessoas continuavam conversando normalmente, namorando, comendo sorvete, falando no celular. E nem se seguravam. Meu coração acelerou, comecei a suar, pensei em recuar. Mas não, vamos enfrentar a tal "escada rolante". Quando chegou a minha vez pensei o seguinte "vou pular em cima dela e ela que se vire comigo!!" Então, "pulei" e "segurei" e sem querer demonstrar que nunca tinha andado. Na verdade, nem sei bem como que foi, se exatamente pelo meu nervosismo se dei um pulo e como foi o pulo, sei que agarrei firme com as duas mãos e procurei fazer ser o mais possível discreto para não chamar a atenção. Andei naquele "trem" disfarçando que já sabia, para o pessoal não perceber que eu era da roça e que era matuto. E subi muito desconfiado e com medo de cair. E para sair da escada, fiz a mesma coisa, dei um salto e escapei dela e não cai não. Depois ao caminhar pelos corredores só ficava preocupado para descer. E na volta a mesma coisa. Aliás enquanto estava nos andares, passei a ficar mais preocupado com a escada rolante do que passear no shopping. Fizemos um lanche gostoso. Elevador eu nunca andei, nas cidades grandes sempre dei preferência pelas escadas. Nunca tive a necessidade de subir muitos andares. É até um pouco estranho eu ser baiano do estado do famoso Elevador Lacerda que dizem que transporta mais de vinte mil pessoas por dia ou quase um milhão por ano e nunca ter andado num elevador. 

 

 

Outro passeio que gosto muito de fazer é ir ao circo, já fui várias vezes. O circo é uma atração secular, de gerações. De pai para filho. Passa de cidade em cidade. Chega em silêncio, monta aquela enorme tenda, fica na cidade por semanas e para nós do campo é uma maravilha. Jamais irei esquecer a primeira vez que fui, o circo estava na localidade de Javi. E eu fiquei muito admirado, nunca tinha visto algo semelhante, lembrando que como não tínhamos energia elétrica, também não tínhamos televisão. Eu olhava os palhaços no palco, brincando e fazendo piruetas no palco de um lado para o outro, fazendo palhaçadas e prontos para cair no chão, mas nada de cair, e todos nós esperamos ou torcendo "é agora que vai cair no chão", e nada de cair. Foi a coisa mais linda e impressionante que eu já vi até hoje. Daqui a pouco aparecia outros com uns carros velhos, dando pipoco, arrancando capuz, muita coisa muito doida e eu pensava "que povo maluco". Eles chamando o pessoal da plateia para participar, meus familiares e amigos querendo que eu fosse, e eu com muita vergonha, dizia e pensava "vou nada, é difícil eu ir lá, de forma alguma eu vou". Os trapezistas lá em cima fazendo suas acrobacias. Os mágicos fazendo as coisas desaparecer e aparecer na nossa frente, nossos olhos nem piscavam. Todo mundo com roupa colorida e todos divertidos. E a plateia é só gargalhada e emoções e claro comendo uma boa pipoca. 

 

É muito bom estar em meio da natureza, nos morros, serras e montanhas, respirar um ar puro, sentir o vento sem cheiro ruim, sem poluição. Olhar para o céu a noite e ver as estrelas e o céu limpo de qualquer lugar. Sentir o cheiro da chuva. Ver o orvalho nas plantas pela manhã. Escutar o relinchar dos cavalos, o mugido das vacas, o galo despertar as cinco horas. Caminhar sem ver prédios, indústria, chaminés, fumaça, aglomerações de casas, multidões de pessoas. Como morrei por algum tempo em Brasília e em Goiânia e felizmente não me adaptei a cidade grande. Além de tudo isso, posso ainda fazer trilhas na localidade de Três Morros em cima de serrado, principalmente no tempo chuvoso, porque toda a vegetação fica toda verde. 

 

Formamos um grupo de amigos no fim de semana e vamos caminhando e subindo a serra e pedreiras muito alto. Lá de cima avistamos a cidade. Infelizmente nossa região não tem cachoeiras, pelo contrário temos escassez de água. Só em das trilhas que podemos tomar banho com uma água muito gelada. Na verdade, é uma antiga pedreira que com o tempo surgiu um local como se fosse uma piscina numa gruta e que água das chuvas desce entre as pedras e acaba acumula neste local.  Tem que ter muita coragem para entrar nessa água limpinha porque ela é muito, mas muito gelada mesmo e fica lá por muitos meses aguardando os visitantes para dar um banho relaxante e revigorante, principalmente por estar no meio da natureza.