Foto recuperada por Edison Rodrigues
Fui parar na aviação por casualidade. Aos quatorze anos fiz um curso de mecânico de automóvel - desenhista industrial no Senai em Araçatuba, mas não encontrei colocação no mercado de trabalho. E próximo a minha casa havia um pequeno campo de pouso chamado Campo de Aviação Bairro Santana e quando não tinha nada para fazer, ficava lá olhando os aviões pequenos pousando e decolando.
As vezes pousava um avião da Tam Táxi aéreo e nessas horas eu entrava em delírio. Ficava admirando as pessoas de longe, todos uniformizados. Eram os únicos que usavam uniformes, porque os outros aviões eram de fazendeiros. Fiquei sabendo com o tempo que havia surgido uma vaga de ajudante e mecânico num dos outros aeroportos da cidade. Não tive a menor dúvida, no mesmo momento peguei a bicicleta e atravessei quinze quilômetros e conquistei meu primeiro emprego na aviação.
Naqueles tempos quem fazia a rota Araçatuba era a Vasp que operava por São Paulo e Campo Grande e a nossa cidade era pequena e não gerava muitos passageiros que justificasse uma escala de um avião grande, assim a Vasp acabou deixando de pousar não só em Araçatuba como também em Marília, São José do Rio Preto, Bauru e outras pequenas cidades não tiveram mais interesse financeiro de serem operadas por grandes companhias.
Para suprir essa nova demanda regional o Governo criou na década de setenta o SITAR - Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional, onde dividiu o Brasil em cinco regiões e concedeu uma outorga de operação regional inferior as linhas domésticas que eram operadas pela Varig, Cruzeiro, Vasp e Transbrasil, que não tinham mais interesse econômico para operar na aviação regional.
E desta forma outorgou cinco táxis aéreos para realizares essas rotas, sendo a Tam Táxi Aéreos, Rio Sul, Taba, Nordeste e Votec. E o Governo por sua vez subsidiou com 50% dos assentos vazios para decolar o projeto, nessa época a TAM tinha o apenas onze Bandeirantes de quinze assentos.
A Tam Taxi Aéreo Marília virou Tam Transportes Aéreos Regionais e digamos assim, como uma operação comercial herdou onze aviões Bandeirantes que eram da Vasp na sua frota. A Tam Regional montou uma base no "hangar 1" no Aeroporto de Congonhas, onde havia uma equipe de pilotos, mecânicos, coordenadores de voo, com o comando do Gabrielli, o qual ele vem desde o tempo do táxi aéreo, e por sua vez o táxi aéreo na verdade nunca deixou de existir, pois atualmente se chama Tam Jatos Executivos que também vende aeronaves.
Os primeiros voos da Tam Regional já incluíam a minha cidade, sendo São Paulo, Bauru, Araçatuba, Rondonópolis e Cuiabá com o Bandeirantes para quatorze passageiros e foi então que recebi um convite da TAM para trabalhar no Aeroporto de Araçatuba em 1978. Era o carregador de mala e pesava a mala no balcão de embarque, entre outras atividades.
Seis meses depois fui promovido para o check-in e logo em seguida outra promoção para despacho de voo, onde emitia passagens, atendia passageiros, fazia o cartão de embarque. Tudo manual. Acompanhar o embarque. Eu trabalhava de dia e estudava a noite. Em seguida a Tam Regional passou a operar Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Marília, Ourinhos, Ponta Porã, Campo Grande e assim voava o Bandeirantes céu a fora.
Foto recuperada por Edison Rodrigues
Não demorou muito a TAM Regional trouxe da Europa os primeiros Fokker 27, que vieram da Holanda, assim passei a realizar muitos cursos internos de certificação. E havíamos saído de uma aeronave de quinze lugares para quarenta e quatro assentos, isso foi um salto. Surgiram as comissárias de bordo. Minha trajetória na TAM foi de mais de vinte anos. E o fluxo de passageiros aumentou e a TAM passou a levar carga nos porões das aeronaves junto com as malas. Fazíamos manualmente o a documentação de "conhecimento aéreo".
Nada era informatizado ainda. Tínhamos uma sala de despacho de voo que era composta por um rádio SSB que consistia num rádio grande a "válvulas" herdado da VASP e com ele falávamos a longa distância com São Paulo, Cuiabá e Rondonópolis e tínhamos outro rádio menos VHS que se falava com os comandantes a quinze minutos para pousar, onde passávamos as condições de tempo e mais algumas outras orientações. Hoje a maioria das pessoas nem imaginam o que seja um rádio a válvulas, risos.
Tudo mudou nesses anos, quando iniciei a lista de passageiros chegava por telex, e hoje as pessoas nem sabem mais o que é isso! Na época da TAM Regional as listas de passageiros eram transmitidas via rádio SSB, duas horas antes a Central de Reservas passava a lista com todos os nomes de passageiros, anotávamos numa folha. O problema era quando não fechava a lista com os assentos disponíveis, e o que fazer quando tinha mais pessoas que assentos? Então, tinha que telefonar para a Central em São Paulo com telefone comum, quando o Brasil inteiro telefonava.
As vezes o telefone estava com cadeado e o Gerente não estava presente. Era um verdadeiro sufoco. Naquela época nem se sonhava na existência de um celular! Nossa salvação era o Chefe de Coordenação Gabriele de São Paulo. A prioridade era não deixar ninguém para trás se fosse um ou dois passageiros era fácil de resolver. As vezes um ia na cabine com o comandante, outras vezes tinha uma criança pequena e conversávamos com a mãe e explicávamos o problema e ela aceitava levar a criança no colo.
E rotina era o que menos acontecia, volte e meia surgia algum avião com problema de pane, passageiro brabo, passageiro dizendo que era amigo do comandante Rolim para obter vantagens. Em Rondonópolis não raro algum cidadão puxava da cintura um revólver ameaçando todo mundo de levar tiro que ele não embarcasse. Todo dia era uma aventura diferente e todo o tipo de problema. Enfrentávamos na unha, cara a cara com o cliente. Era uma fase boa. Mas não abandonávamos nenhum passageiro. E no outro dia, era outra confusão. Atualmente impossível soluções dessas naturezas.
Nós tínhamos essas dificuldades, mesmo assim, era uma paixão trabalhar na TAM do Comandante Rolim. Na verdade, quando mais confusão, melhor era. Emitia as passagens ou cartão de embarque a caneta em várias vias carbonadas, com o avião esperando na pista. Hoje nada disso existe mais. Nem o manche do comandante existe mais. Hoje a navegação é enviada paro o tablet e de lá cai no computador do avião. Todo o sistema analógico foi substituído por digital.
Assim funcionou lacrado de 1975 a 1993. A partir de então iniciou a abertura desse mercado pelo Governo com a entrada da Pantanal e em seguida entrou a Passaredo. Mas nessa altura a TAM já tinha crescido muito, já estava em busca de um avião a jato. Estava em busca no mercado e encontrou o Fokker 100. Estava querendo buscar novos mercados e deixar aquele mercado pequeno e regional. Nesse andar todo, fui gerente de aeroporto de Bauru. Cheguei a ficar dois anos na Pantanal e um na Nacional Aviação e retornei a TAM.
O Comandante Rolim constantemente visitava nossa base de Araçatuba, inclusive várias vezes vinha pilotando os aviões da TAM Regional e os Embraer. Ele tinha vários amigos fazendeiros na cidade, era comum ele pousar nas sextas feiras, aproveitar e passar o fim de semana na cidade. Sempre estava interessado em saber tudo que estava acontecendo com a empresa, queria saber quantos haviam embarcado no voo da manhã, da tarde, na semana toda, no dia anterior. Queria escutar opiniões e sugestões.
Ele era uma pessoa muito simples, conversava e cumprimentava todo mundo. Não diferenciava um funcionário mais graduado de um menos graduado, para ele todos eram importantes e faziam parte da família TAM. Conversava com o funcionário que carregava mala, com o atendente do balcão, com o despachante de voo. Só depois de conversar com todo mundo é que ele ia embora para os compromissos particulares. A convivência com ele era muito boa.
A minha paixão pela empresa era tamanha que em Araçatuba era ponto de manutenção dos Embraer porque sua rota definia que vinha de Campo Grande e dormiam no nosso aeroporto, assim volte e meia embarcava um mecânico de São Paulo no Fokker 27 para realizar a sua manutenção padrão. Então ao invés de voltar para casa as 22 horas com a Kombi da empresa eu preferia ficar com o mecânico realizando a revisão do "Bandeco".
Era uma realização, nem percebia a noite passar. De repente o mecânico me dizia que já estava amanhecendo e que daqui a pouco iria voltar para São Paulo. Neste momento eu providenciava um transporte para casa e voltava somente para o aeroporto no meu turno as 1600 horas. Isso era paixão, fazia por amor, e não recebia hora extra por isso. E foi desta forma que aprendi muitas coisas com os mecânicos durante vários anos.
Era muito engraçado para nós funcionários, toda sexta feira ficávamos esperando o Fokker 27 pousar na expectativa se o Comandante Rolim estaria no comando da aeronave. Para todos nós era gratificante ter o presidente da nossa empresa ver ele na janelinha pilotando o avião. Isso era uma festa para todos nós. Era uma alegria que não sei explicar. Muitas vezes ele estava acompanhado por outros Gestores da empresa como o Humberto Lopes de Anjos, o Gabrielli Antônio Carlos, Cidinha e o Comandante Guilherme. Esses quatro até onde eu sabia eram os alicerces de apoio do Rolim.
Em 1984 fui convidado a ser Gerente Geral de Aeroporto em Bauru, onde fiquei quase dez anos. Quando fui trabalhar na Pantanal por uns seis anos. E depois voltei a TAM como Gerente de Controle de Qualidade de Manutenção de Pista. Onde vim a conhecer uma nova TAM já com os FOKKER 100 e com os Airbus A320 e com o A330 que voava Internacional. Nesse período a concorrência ficou mais forte. Tínhamos um Diretor muito competente que era o Luís Eduardo Falco, que foi a profissional que traçou o salto da TAM Regional para TAM Nacional e Internacional.
A TAM nunca parou de crescer. Comprou a Votec e a Pantanal. Chegaram os Airbus e a TAM trabalhando nas rotas internacionais, o mercado passou a exigir a figura do Gerente de Controle de Qualidade, eu era um deles, era o responsável por dezesseis bases e cento e oitenta mecânicos.
Foi um período que a TAM fretava dezenas de aviões para a CVC principalmente Porto Seguro que chegava a ter sessenta fretamentos só no final de semana do Brasil inteiro, era uma loucura. Fiquei mais próximo com a operação de São Paulo, pois minhas viagens a capital paulista passaram a ser frequentes para reuniões e morei um ano em Salvador em razão do enorme movimento.
No começo na TAM Regional foi feito por pessoas que amavam a aviação e a filosofia do Comandante Rolim, meu horário era das 07 da manhã às 19:00 horas. Eram doze horas por dia. E nós queríamos trabalhar ainda mais. Tamanho era o contentamento e o amor pela aviação. Ainda não tínhamos os benefícios, que vieram pouco tempo depois. Nem transporte ou vale refeição. Cada um de nós levava a marmita na mochila. Me levantava cedo e ia de bicicleta meus quinze quilômetros feliz da vida na ida e na volta, com sol ou com chuva. Então, no começo a TAM foi feito por pessoas que realmente gostavam do que faziam e da empresa. Isso lá em Araçatuba.
Antes de decidir por sair da TAM primeiro conversei muito com minha família. Expliquei que com a saída do Comandante Rolim da empresa, minha presença e inclusive meu trabalho eu senti que perdeu sentido e até mesmo a motivação. E a empresa estava passando por uma transformação que não tinha mais a identidade do Comandante Rolim e assim foi me dificultando continuar na empresa, pois eu era um dos pioneiros da TAM a continuar e estava percebendo que a cada dia estava ficando sem espaço. Quando deixou de ser TAM, perdeu a identidade de vez com o nosso passado. Então achei melhor encerrar meu ciclo na TAM de quase trinta anos.
A TAM foi a melhor escola que poderia ter tido. E o que falar do Comandante Rolim? Foi meu mentor, professor e referência de todos os tempos. Ele tinha uma estratégia que começou lá trás. Não tinha modernidade nenhuma. Era aviação de pé e mão. No seu tempo a prioridade era atender o Cliente. O passageiro não era apenas um número numa lista de embarque que tinha que seguir regras. Por exemplo, a TAM foi a primeira empresa a possibilitar a antecipação do embarque no portão de embarque para qualquer passageiro se houvesse desistência de outro passageiro sem nada pagar, ou mesmo no check-in gratuitamente.
A bordo as poltronas da classe executiva domésticas estivessem desocupadas os passageiros com Fidelidade Vermelha eram convidados a ocupar. Existiam um carinho enorme com os passageiros. Como também existia por parte da TAM uma política voltada a dedicação dos funcionários em geral de resolver os problemas dos passageiros. Isso era naqueles tempos da TAM. Acredito que hoje a aviação em geral nacional infelizmente burocratizou, como eram as outras empresas daquela época. Perdeu-se o brilhantismo e o sorriso no atendimento que havia.
Tive outros professores na empresa como o Comandante Francisco Perez, o Comandante Capistrano, o Comandante Castro, entre outros. Todos são grandes amigos, além de excelentes profissionais. Trabalhei na TAM por amor, por paixão, por gostar. Sou muito grato a TAM, muito mesmo. Em primeiro lugar como já disse, ela foi minha escola de formação.
Em segundo lugar porque nunca tive que enfrentar um processo seletivo em nenhuma empresa por qual passei. Em terceiro lugar foi a TAM que proporcionou a construção de minha família e a formação dos meus dois filhos, o Murilo tem 39 anos é meu assistente e a a Milena reside nos Estados Unidos. Por fim, fico feliz por ter sido lembrado, logo eu que vim lá do interior de São Paulo, um rapaz que iniciou carregando malas.